sábado, 30 de julho de 2016

Viagem


"Depois, as pessoas perguntariam a Kit por que ele não levara uma câmera fotográfica portátil. Àquela altura, já havia reparado que muitos europeus começavam a definir a si próprios em termos das viagens que tinham condições financeiras de fazer, e parte do processo consistia em matar de tédio todas as pessoas dispostas a examinar aquelas fotografias instantâneas mal enquadradas e fora de foco.

Ele guardara alguns dos canhotos de passagens, e assim sabia de modo geral que sua trajetória passara por Bucareste, chegando a Constança, onde tomara um vapor pequeno e decrépito, costeara o litoral do mar Negro até chegar a Batumi, onde dava para sentir o cheiro dos limoeiros antes mesmo de vê-los, e lá tomara um trem, atravessando o Cáucaso, onde russos parados à porta das dukháni ficavam a vê-los passar, levantando os copos de vodca num brinde simpático. Campos de rododendros derramavam-se pelas encostas, e gigantescos troncos de nogueira flutuavam rio abaixo, tendo como destino saloons semelhantes àqueles do Colorado onde outrora, ainda menino, Kit ficara a matar o tempo. A última parada da linha era Baku, à margem do mar Cáspio, onde ele teve a impressão, ainda que não uma prova fotográfica, de um porto de petróleo muito remoto, varrido pelo vento cheio de areia, noite em pleno dia, céus infernais, a ferver em vermelho e negro, tons de negro, não havia como escapar daquele cheiro, ruas que não davam em lugar algum, onde se estava sempre a um passo de um estupor narcótico ou da lâmina de um árabe, onde a vida era não apenas barata, mas por vezes tinha mesmo valor negativo."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 756

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