"Depois, as pessoas perguntariam a Kit por que ele não levara uma
câmera fotográfica portátil. Àquela altura, já havia reparado que muitos
europeus começavam a definir a si próprios em termos das viagens que
tinham condições financeiras de fazer, e parte do processo consistia em
matar de tédio todas as pessoas dispostas a examinar aquelas fotografias
instantâneas mal enquadradas e fora de foco.
Ele guardara alguns dos canhotos de passagens, e assim sabia de modo geral que sua
trajetória passara por Bucareste, chegando a Constança, onde tomara um
vapor pequeno e decrépito, costeara o litoral do mar Negro até chegar a
Batumi, onde dava para sentir o cheiro dos limoeiros antes mesmo de
vê-los, e lá tomara um trem, atravessando o Cáucaso, onde russos parados
à porta das dukháni ficavam a vê-los passar, levantando os copos de
vodca num brinde simpático. Campos de rododendros derramavam-se pelas
encostas, e gigantescos troncos de nogueira flutuavam rio abaixo, tendo
como destino saloons semelhantes àqueles do Colorado onde outrora, ainda
menino, Kit ficara a matar o tempo. A última parada da linha era Baku, à
margem do mar Cáspio, onde ele teve a impressão, ainda que não uma
prova fotográfica, de um porto de petróleo muito remoto, varrido pelo
vento cheio de areia, noite em pleno dia, céus infernais, a ferver em
vermelho e negro, tons de negro, não havia como escapar daquele cheiro,
ruas que não davam em lugar algum, onde se estava sempre a um passo de
um estupor narcótico ou da lâmina de um árabe, onde a vida era não
apenas barata, mas por vezes tinha mesmo valor negativo."
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 756
Nenhum comentário:
Postar um comentário