"Dizia-se que os grandes túneis, como o Simplon e o St. Gotthard,
eram mal-assombrados, que quando o trem entrava e a luz do mundo, do dia
ou da noite, tinha que ser deixada para trás durante o tempo necessário
para atravessá-lo, por mais breve que fosse, e o ronco mineral tornava
impossível a conversa, então certos espíritos que outrora haviam optado
por entregar-se à feroz escuridão intestina da montanha apareciam entre
os passageiros pagantes, ocupavam os lugares vazios, bebiam
um pouco dos copos marcados com o monograma da ferrovia nos
vagões-restaurantes, assumiam a forma da fumaça que subia dos cigarros,
cochichavam uma propaganda de memória e redenção para os vendedores,
turistas, profissionais do ócio, ricos além de qualquer redenção e
outros praticantes do olvido, que eram incapazes de perceber a presença
dos visitantes com a clareza dos fugitivos, exilados, sobreviventes e
espiões – ou seja, todos aqueles que haviam entrado num acordo, e mesmo
numa relação de intimidade, com o Tempo."
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 665
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