sábado, 30 de julho de 2016

Fantasmas


"Dizia-se que os grandes túneis, como o Simplon e o St. Gotthard, eram mal-assombrados, que quando o trem entrava e a luz do mundo, do dia ou da noite, tinha que ser deixada para trás durante o tempo necessário para atravessá-lo, por mais breve que fosse, e o ronco mineral tornava impossível a conversa, então certos espíritos que outrora haviam optado por entregar-se à feroz escuridão intestina da montanha apareciam entre os passageiros pagantes, ocupavam os lugares vazios, bebiam um pouco dos copos marcados com o monograma da ferrovia nos vagões-restaurantes, assumiam a forma da fumaça que subia dos cigarros, cochichavam uma propaganda de memória e redenção para os vendedores, turistas, profissionais do ócio, ricos além de qualquer redenção e outros praticantes do olvido, que eram incapazes de perceber a presença dos visitantes com a clareza dos fugitivos, exilados, sobreviventes e espiões – ou seja, todos aqueles que haviam entrado num acordo, e mesmo numa relação de intimidade, com o Tempo."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 665

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