segunda-feira, 29 de março de 2010

ON THE ROAD

Hoje, em Belo Horizonte, comprei o livro On the Road, de Jack Kerouac. Comecei a ler no ônibus, ainda na Via Expressa, e quando acordei do "transe" - depois de um intervalo que não me pareceu durar mais do que alguns minutos -, eu já chegava em Pará de Minas.

Que loucura foi essa?

Fui pesquisar, e entre outras coisas descobri que a versão original de On the Road foi escrita quando o autor tinha 29 anos, entre 9 e 27 de abril de 1951, "num rolo de papel para telex, num total de quarenta metros ininterruptos de prosa em espaço um sem parágrafo, com Kerouac aditivado por doses colossais de benzedrina, suando uma camiseta atrás da outra, datilografando como um alucinado doze mil palavras quatorze horas por dia, movido por aquilo que o poeta Lawrence Ferlinghetti certa vez chamou de febre onívora de observação" (Eduardo Bueno, tradutor da obra de Kerouac).

Mensagem aos professores

A memória não carrega conhecimentos que não fazem sentido e não podem ser usados. Ela funciona como um escorredor de macarrão. Um escorredor de macarrão tem a função de deixar passar o inútil e guardar o útil e prazeroso. Se foi esquecido é porque não fazia sentido. Por isso acho inúteis os exames oficiais (inclusive os vestibulares) que se fazem para avaliar a qualidade do ensino. Eles produzem resultados mentirosos por serem realizados no momento em que a água ainda não escorreu. Eles só diriam a verdade se fossem feitos muito tempo depois, depois do esquecimento haver feito o seu trabalho. O aprendido é aquilo que fica depois que tudo foi esquecido... Vestibulares: tanto esforço, tanto sofrimento, tanto dinheiro, tanta violência à inteligência... O que sobra no escorredor de macarrão, depois de transcorridos dois meses? O que restou no seu escorredor de macarrão de tudo o que você teve de aprender? Duvido que os professores de cursinhos passem nos vestibulares. Duvido que um professor de português se saia bem em matemática, física, química e biologia... Eles também esqueceram. Duvido que os professores universitários passem nos vestibulares. Eu não passaria. Então, por que essa violência que se faz sobre os estudantes? (...)

Freqüentei escolas por dezessete anos: quatro anos no curso primário, um no curso de admissão, quatro no ginásio, três no curso científico e cinco no curso superior. Multipliquei o número de meses, pelo número de dias, pelo número de horas, pelo número de anos: cheguei ao número 16.320 – o número de horas que passei assentado em carteiras ouvindo as coisas que os professores tentavam me ensinar. É claro que esse número deve estar errado. Seja. De qualquer forma, é muito tempo o tempo de vida que se passa assentado nos bancos escolares. O que sobrou? (...)

Não me lembro das classificações das rochas. Lembro-me dos nomes “dolomitas” e “piroclásticas”, mas não sei o que significam. Esqueci-me do “crivo de Erastóstenes”. Não sei fazer raiz quadrada. Não sei onde se encontra a serra da Mata da Corda. Também me esqueci das dinastias dos faraós e dos nomes dos imperadores romanos. Lembro-me do princípio de Arquimedes, mas não sei a lei de Avogadro. Não aprendi Latim, o que me causa grande dor porque Latim é música. Sei pouquíssimo de análise sintática, o que não me faz falta para escrever. Escrevo com meu ouvido. Acho que dos 100% de saberes que as escolas tentaram enfiar dentro de mim só sobrariam uns 10%. Você depositaria suas economias mensalmente, num fundo de investimento, por dezessete anos, se você soubesse que depois desses dezessete anos você iria receber só 10% do que você depositou?

Rubem Alves

Fonte: A casa de Rubem Alves

quarta-feira, 24 de março de 2010

Dreamer

Quando eu ouvia tocar nas rádios aquele monte de porcarias comerciais descartáveis que se enquadravam nas rubricas Axé, Sertanejo ou Pagode, com aquelas vozes que pareciam uma só, de tão comuns, eu me lembrava da voz única, inigualável, mágica e arrebatadora de Roger Hodgson, vocalista do Supertramp. Que diferença!

Mas gosto não se discute.

terça-feira, 23 de março de 2010

Re-animator

Um dos filmes de terror mais arrepiantes que eu já assisti em minha vida. Não sei qual impacto ele teria sobre mim hoje, mas quando o vi pela primeira vez, em 1986, foi simplesmente ATERRORIZANTE!

A música de abertura é claramente inspirada na trilha de Psicose, de Bernard Herrmann: OUÇA AQUI

Re-animator Original trailer: AQUI

segunda-feira, 22 de março de 2010

Crepúsculo

O espetáculo acima eu assisto todos os dias da sacada dos fundos da minha casa. Essa foto eu tirei às 18:30.

Sob as luzes do crepúsculo, Pará de Minas.

sábado, 13 de março de 2010

Gaiolas

Somos assim: sonhamos o vôo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o vôo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o vôo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que eles voariam se as portas estivessem abertas. A verdade é o oposto. Não há carcereiros. Os homens preferem as gaiolas aos vôos. São eles mesmos que constroem as gaiolas em que se aprisionam.

Rubem Alves, Correio Popular, 22/05/2005

domingo, 7 de março de 2010

O poder das imagens

O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Meu amigo Lisâneas Maciel, no meio de uma campanha eleitoral, me dizia que estava difícil porque o outro candidato a deputado estadual estava comprando votos a troco de franguinhos da Sadia. E a democracia se faz com os votos do povo. Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Na verdade, quem decide as eleições são os produtores de imagens. Os partidos tratam de comprar, a preço de ouro, os melhores produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o melhor produtor de imagens... O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos, isto é, aqueles que, em meio à irracionalidade coletiva, continuam a pensar. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Rubem Alves

Fonte: A casa de Rubem Alves

sábado, 6 de março de 2010

Poema esquisito

Dói-me a cabeça aos trinta e nove anos.
Não é hábito. É rarissimamente que ela dói.
Ninguém tem culpa. Meu pai, minha mãe descansaram seus fardos,
não existe mais o modo de eles terem seus olhos sobre mim.
Mãe, ô mãe, ô pai, meu pai. Onde estão escondidos?
É dentro de mim que eles estão.
Não fiz mausoléu pra eles, pus os dois no chão.
Nasceu lá, porque quis, um pé de saudade roxa,
que abunda nos cemitérios.
Quem plantou foi o vento, a água da chuva.
Quem vai matar é o sol.
Passou finados não fui lá, aniversário também não.
Pra quê, se pra chorar qualquer lugar me cabe?
É de tanto lembrá-los que eu não vou.
Ôôôô pai
Ôôôô mãe
Dentro de mim eles respondem
tenazes e duros
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia.

Adélia Prado

sexta-feira, 5 de março de 2010

Reconciliation

WORD over all, beautiful as the sky!
Beautiful that war, and all its deeds of carnage, must in time be utterly lost;
That the hands of the sisters Death and Night, incessantly softly wash again, and ever
again,
this
soil’d world:
...For my enemy is dead — a man divine as myself is dead;
I look where he lies, white-faced and still, in the coffin—I draw near;
I bend down, and touch lightly with my lips the white face in the coffin.

Walt Whitman (1819-1892)

terça-feira, 2 de março de 2010

Ninguém morre antes da hora

Ninguém morre antes da hora. O que deixais de tempo não era mais vosso do que o tempo que se passou antes do vosso nascimento; e tampouco vos importa. Termine a vossa vida quando terminar, ela aí está inteira. A utilidade do viver não está no espaço de tempo, está no uso. Uma pessoa viveu longo tempo e no entanto pouco viveu; atentai para isso enquanto estais aqui. Terdes vivido o bastante depende da vossa vontade, não do número de anos. Pensáveis nunca chegar aonde estáveis indo incessantemente? E no entanto não há caminho que não tenha o seu fim. E, se a companhia vos pode consolar, não vai o mundo no mesmo passo em que ides? Todas as coisas seguir-vos-ão na morte (Lucrécio). Tudo não dança a vossa dança? Há coisa que não envelheça convosco? Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo instante em que morreis: Pois nunca a noite sucedeu ao dia, nem a aurora à noite, sem ouvir, mesclados aos vagidos da criança, os gritos de dor que acompanham a morte e os negros funerais (Lucrécio).

Michel de Montaigne (1533-1592), Ensaios