quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Maldade

“O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade.”

Maldade

Luz

"É impossível se calar quando se sente, quando se tem a convicção absoluta de que se poderia ajudar a fazer luz."

Fiódor Dostoiévski (1821-1881). Crime e Castigo (1866)

Liderança

"Quando um líder toma a decisão de colocar a segurança e as vidas das pessoas de dentro da organização em primeiro lugar, de sacrificar os resultados tangíveis para que as pessoas permaneçam, sintam-se seguras e parte do grupo, coisas extraordinárias acontecem. [...]. Grandes líderes jamais sacrificariam as pessoas para salvar os números. Eles sacrificariam os números para salvar as pessoas."


Children


“Accept the children the way we accept trees — with gratitude, because they are a blessing — but do not have expectations or desires.You don’t expect trees to change, you love them as they are.”

Isabel Allende (1942-)

Photo: Murilo Ganesh

Mortos

"Falar alto no escuro é também uma das grandes violências, é grave, é desrespeitar a natureza das coisas. Por isso dos mortos nada escutamos porque morrer é a terra cobrir os corpos, e é denso, um escuro permanente, sólido, como uma construção negra, mas sem matéria. Não os ouvimos."

Gonçalo M. Tavares (1970-). água, cão, cavalo, cabeça. Editorial Caminho, 2007, p. 54

Clube do Livro FAPAM


Rebanhos

“Olá, guardador de rebanhos,
Aí à beira da estrada,
Que te diz o vento que passa?

Que é vento, e que passa,
E que já passou antes,
E que passará depois.
E a ti o que te diz?


Muita cousa mais do que isso.
Fala-me de muitas outras cousas.
De memórias e de saudades
E de cousas que nunca foram.

Nunca ouviste passar o vento.
O vento só fala do vento.
O que lhe ouviste foi mentira.
E a mentira está em ti.”

Fernando Pessoa (1888-1935) do poema “O Guardador de Rebanhos” (1914)

Depressão espiritual


"Você tem uma classe inteira de rapazes e moças fortes e sólidos, e eles querem dar suas vidas para alguma coisa. A publicidade faz com que eles corram atrás de carros e roupas que eles não precisam. Eles trabalham em profissões que odeiam, por gerações inteiras, unicamente para poder comprar aquilo que eles verdadeiramente não precisam.

Nós não temos uma grande guerra na nossa geração, nem uma grande depressão, mas sim, no entanto, nós temos uma grande guerra do espírito. Nós temos uma grande revolução contra a cultura. A grande depressão, são nossas existências. Nós temos uma grande depressão espiritual."

Chuck Palahniuk (1962-). Fight Club (1996). Paris: Gallimard, 1999, p. 214-215

["Tu as une classe entière de jeunes hommes et femmes forts et solides, et ils veulent donner leur vie pour quelque chose. La publicité les fait tous courir après des voitures et des vêtements dont ils n'ont pas besoin. Ils travaillent dans des métiers qu'ils haïssent, par générations entières, uniquement pour pouvoir acheter ce dont ils n'ont pas vraiment besoin.

Nous n'avons pas de grande guerre dans notre génération, ni de grande dépression, mais si, pourtant, nous avons bien une grande guerre de l'esprit. Nous avons une grande révolution contre la culture. La grande dépression, c'est nos existences. Nous avons une grande dépression spirituelle."]

Filósofos

"Tenho lido os filósofos. São uns caras realmente estranhos, engraçados e loucos. Jogadores. Descartes veio e disse: é pura bobagem o que esses caras estão falando. Disse que a matemática era o modelo da verdade absoluta e óbvia. Mecanismo. Então, Hume veio com seu ataque à validade do conhecimento científico causal. E depois veio Kierkegaard: ‘Enfio meu dedo na existência – não tem cheiro de nada. Onde estou?’. E depois veio Sartre, que sustentava que a existência é absurda. Adoro esses caras. Embalam o mundo. Será que tinham dor de cabeça por pensar dessa forma? Será que uma torrente de escuridão rugia entre seus dentes? Quando você pega homens como esses e os compara aos homens que vejo caminhando nas ruas ou comendo em cafés ou aparecendo na tela da TV, a diferença é tão grande que alguma coisa se contorce dentro de mim, me chutando as tripas.”

Charles Bukowski (1920-1994). O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Morte em vida

"O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio.Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouvi-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer."

Charles Bukowski (1920-1994). O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Perda de talentos

"...você não mantém as ótimas pessoas em ambientes de trabalho onde a realização individual é desencorajada ao invés de encorajada. As ótimas pessoas saem e você acaba com a mediocridade. [...]

Meu modelo de negócio são os Beatles. Eles equilibravam um ao outro, e o total era maior do que a soma das partes. É como eu vejo os negócios: grandes coisas em termos de negócios nunca são feitas por uma pessoa. São feitas por uma equipe de pessoas".

Steve Jobs (1955-2011)

As crianças da história


"Nós, as pessoas que vocês tentam pisotear, nós somos todos aqueles de quem vocês dependem. Nós somos os que lavam suas roupas, preparam sua comida, lhes servem o jantar. Nós arrumamos sua cama. Nós cuidamos de vocês enquanto vocês dormem. Nós dirigimos as ambulâncias. Nós lhes passamos suas ligações ao telefone. Nós somos cozinheiros e motoristas de táxi, e sabemos tudo sobre vocês. Nós cuidamos dos seus pedidos de indenização às seguradoras e dos seus pagamentos com cartão de crédito. (...)

Nós somos as crianças da história, entre mais velhos e caçulas, criados pela televisão na convicção de que um dia seremos milionários, vedetes de cinema, estrelas de rock, mas isso nunca vai acontecer. E nós simplesmente estamos aprendendo esse pequeno fato, diz Tyler. Então não brinquem com a gente."

Chuck Palahniuk (1962-). Fight Club (1996). Paris: Gallimard, 1999, p. 235-6

["Nous, les gens que vous essayez de piétiner, nous sommes tous ceux dont vous dépendez. Nous sommes ceux-là même qui vous blanchissent votre linge, vous préparent votre nourriture, vous servent à dîner. Nous faisons votre lit. Nous veillons sur vous pendant que vous dormez. Nous conduisons les ambulances. Nous vous donnons vos correspondants au téléphone. Nous sommes cuisiniers et chauffeurs de taxi, et nous savons tout de vous. Nous traitons vos demandes d'indemnisation d'assurance et vos paiements par carte de crédit. (...)

Nous sommes les enfants de l'histoire, entre aînés et cadets, élevés par la télévision dans la conviction qu'un jour nous serons millionnaires, vedettes de cinéma, stars du rock, mais cela ne se fera pas. Et nous sommes simplement en train d'apprendre ce petit fait, dit Tyler. Alors ne déconnez pas avec nous."]

Eu era perfeito demais


"Eu estava cansado, eu estava doido, eu estava sempre sob pressão, e cada vez que eu entrava num avião eu queria vê-lo se espatifar. Eu tinha inveja das pessoas que morriam de câncer. Eu odiava a minha vida. Eu estava cansado a ponto de morrer de tédio por causa do meu emprego e da minha mobília, e eu não conseguia encontrar uma maneira de mudar as coisas.

Simplesmente como colocar um fim nisso.

Eu me sentia preso numa armadilha.

Eu era completo demais.

Eu era perfeito demais."

Chuck Palahniuk (1962-). Fight Club (1996). Paris: Gallimard, 1999, p. 245

["J'étais fatigué, j'étais dingue, j'étais toujours sous pression, et chaque fois que je montais à bord d'un avion, je voulais voir l'avion s'écraser. J'enviais les gens qui se mouraient du cancer. Je haïssais la vie qui était la mienne. J'étais fatigué à en mourrir d'ennui par mon boulot et mon mobilier, et je ne parvenais pas à voir la manière de changer les choses.

Simplement comment y mettre un terme.

Je me sentais pris au piège.

J'étais trop complet.

J'étais trop parfait."]

Escola da Serra


Educação na Finlândia

“...eu esperava encontrar muita tecnologia, e não é bem assim. Tem o básico, um retroprojetor, iPad em algumas aulas. O importante, no entanto, não é isso.

É o ensino conectado com a realidade, é a aprendizagem ser significativa. Uma turma que acompanhei foi visitar um balé. Aprendeu conceitos de física como inércia e movimento com os passos de dança, vendo a bailarina rodar no próprio eixo. O professor de artes falou do contexto do espetáculo e o de história, do enredo. [...]

Fiquei na Finlândia dois meses, e, logo nos primeiros dias, me chamou muito a atenção o fato de o aluno ser prioridade total no processo, pois é ele próprio quem conduz e gerencia sua aprendizagem. Eles valorizam menos conteúdos ligados ao programa e mais o acompanhamento de como cada criança ou adolescente vai identificar e desenvolver suas competências.

Desde muito cedo, são observadas as necessidades e deficiências de cada aluno e elaborados planos individuais de estudos. Assim, todos têm o suporte necessário para superar possíveis dificuldades. Esse apoio vem do professor e de uma equipe formada por especialistas da escola que orienta os estudantes para que eles se tornem autônomos, motivados e confiantes.”

Matéria BBC

sábado, 12 de novembro de 2016

Fight Club

"Tyler diz que estou longe de ter atingido o fundo, por enquanto. E que se eu não desabar completamente, não posso ser salvo. (...) Eu não deveria me contentar apenas em abandonar dinheiro, posses e saber. (...) Eu deveria fugir de toda ideia de progressos pessoais, eu deveria ao contrário me precipitar depressa rumo ao desastre. Eu não posso mais me contentar em jogar o jogo sem me arriscar.

Isto não é um seminário.

– Se você perde seu sangue-frio antes de ter atingido o fundo, diz Tyler, você jamais conseguirá verdadeiramente.

Somente após o desastre é que podemos ressuscitar.

– Só após termos perdido tudo, diz Tyler, é que somos livres para fazer o que queremos."

Chuck Palahniuk (1962-). Fight Club (1996). Paris: Gallimard, 1999, p. 99

["Tyler dit que je suis loin d'avoir atteint le fond, pour l'instant. Et si je ne dégringole pas complètement, je ne peux pas être sauvé. (...) Je ne devrais pas juste me contenter d'abandonner argent, possessions et savoir. (...) Je devrais fuir toute idée de progrès personnels, je devrais au contraire me précipiter au pas de course vers le désastre. Je ne peux plus me contenter de jouer le jeu sans prendre de risques.

Ceci n'est pas un séminaire.

– Si tu perds ton sang-froid avant d'avoir touché le fond, dit Tyler, tu ne réussiras jamais vraiment.

Ce n'est qu'après le désastre que nous pouvons ressusciter.

– Ce n'est qu'après avoir tout perdu, dit Tyler, qu'on est libre de faire ce que l'on veut."]

Não me abraces



"Existe sim, eu juro por Pã e por Dioniso,
um fogo escondido debaixo das cinzas;
desconfio de mim. Não me abraces; muitas vezes,
rio calmo rói o muro pela base."


Calímaco, XII: 139

Photo: © Kyle • Thompson

não há alívio


"não há alívio, só gurus e deuses auto-
nomeados e camelôs.
quanto mais as pessoas dizem, tanto menos há
para dizer. 
até mesmo os melhores livros são serragem seca. [...]



tamanha tristeza: tudo tentando
abrir-se em
flor.
todo dia deveria ser um milagre em vez de
uma maquinação."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 223

sono profundo


"a morte nem sempre chega como uma bomba
ou uma puta gorda
às vezes a morte rasteja polegada a polegada
como uma pequena aranha rastejando na sua barriga
enquanto você
dorme."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 245

Hemingway


"em seu derradeiro dia
Hemingway acenou para
alguns garotos indo para a escola,
eles acenaram de volta, e ele nunca tocou o suco de laranja
à sua frente;
então ele enfiou aquela arma em sua boca como um
canudinho
e apertou o gatilho
e um dos poucos imortais da América
era sangue e miolos pelas paredes e pelo
forro da sala"


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 238

Foto: Ernest Hemingway (1899-1961)

morrer

"aqui estou eu sentado sozinho
feito um frouxo

ouvindo Chopin

o vento noturno soprando
através das
cortinas rasgadas.

hoje ganhei 546 dólares nas corridas mas
agora estou pensando que
morrer é uma coisa tão
estranha e ordinária.

só espero nunca precisar
de uma dentadura postiça antes de
ir embora."

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 271

sobrevivi


"minha própria 
história:
este modo terrível de
viver.



mas sinto que agora agarrei
a vitória
sobre toda essa inútil
negra e furiosa
histeria.



sobrevivi a tudo
isso e
podem me dar porradas com suas
vidas raivosas e
me queimar em meu
leito de morte.



mas de algum modo
encontrei uma paz
perpétua
que nunca conseguirão
tirar 
de mim."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 280

quero morrer depressa


"Silêncio depressa! Tragam dos mares fundos silêncios
Tragam do ar mais distante silêncio!
Tragam silêncio do centro da terra depressa!
Tragam do inferno o silêncio dos condenados que descansam.
Tragam do céu o silêncio das beatitudes
O silêncio do voo dos anjos pelos tempos sem espaço, tragam depressa
O silêncio dos mortos recém-nascidos, tragam depressa.
Tragam o silêncio dos corpos, dos bêbados dormindo
Tragam o silêncio dos loucos
O silêncio dos mundos, dos tempos.
O silêncio do que ainda vai se realizar, tragam depressa
Tragam por Deus, que eu quero morrer depressa!"


Augusto Frederico Schmidt (1906-1965). Antologia Poética. Rio de Janeiro: Leitura, 1962, p. 44

alone

there is a black hole in my office
freezing the air.

the whole thing widens
its mouth, screaming,
calling for
darkness around me; my head
pulses,
my beard tickles
my skin.


and i’m old.

i’m dying.

the cold air
pulls me
from my guts,
from my brain,
from my heart

and i go
silently
and peacefully

into

the

abyss.

Flávio Marcus da Silva (1975-)

seu novo livro


"eu jogo seu novo livro
na cesta de papéis.
eu não o quero
por perto.



agora ele é um
escritor de sucesso
o que significa 
que seu trabalho
não deixa mais
ninguém
zangado
enojado
ou triste.



nunca faz
ninguém 
rir.



nunca faz
ninguém
ter aquele arrepio de maravilhamento
ao ler
aquilo."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 276

Desassossego


"Acordei hoje muito cedo, num repente embrulhado, e ergui-me logo da cama, sob o estrangulamento de um tédio incompreensível. Nenhum sonho o havia causado; nenhuma realidade o poderia ter feito. Era um tédio absoluto e completo, mas fundado em qualquer coisa. No fundo obscuro da minha alma, invisíveis, forças desconhecidas travavam uma batalha em que meu ser era o solo, e todo eu tremia do embate incógnito. Uma náusea física da vida inteira nasceu com o meu despertar. Um horror a ter que viver ergueu-se comigo da cama. Tudo me pareceu oco e tive a impressão fria de que não há solução para problema algum. Uma inquietação enorme fazia-me estremecer os gestos mínimos. Tive receio de endoidecer, não de loucura, mas de ali mesmo. O meu corpo era um grito latente. O meu coração batia como se soluçasse."

Fernando Pessoa (1888-1935). Livro do desassossego. Porto: Assírio e Alvim, 2013, n. 98. Citado por Adriano Oliveira. O tédio no 'Livro do Desassossego'.

Escolhas


“...as escolhas foram programadas, são impostas. A partir do condicionamento escolar, quando a criança entra na escola, vão dizer para ela: ‘Você não pode se divertir enquanto aprende’. Porra, aprender é divertido, cara! Tem que ser divertido. Tem que ser com prazer. Mas a criança já vai sendo enquadrada para encarar o trabalho como sacrifício. Você vai se divertir na hora do RECREIO. Setoriza sua alegria. Você vai se divertir nas horas vagas. No fundo, você vai viver nas horas vagas. Você vai fazer o que você gosta nas horas vagas. Você está sendo programado para odiar o seu trabalho, para adorar a sexta-feira, para você, quando for se divertir, estar tão pressionado, que você não vai se divertir, você vai descarregar. E nesse descarrego, você vai consumir. E nesse consumo, você vai dar lucro. Até o seu prazer vai ser controlado, vai ser induzido.”

Eduardo Marinho, artista de rua

Simplicidade

"O problema é que vivemos em um mundo no qual se acredita que aquele que triunfa deve possuir muito dinheiro, ter privilégios, uma casa grande, mordomos, muitos servidores, férias superluxuosas. Entretanto, eu acho que esse modelo de sucesso é apenas um modo idiota de se complicar a vida. Eu acho que quem passa a sua vida acumulando riqueza está doente assim como um toxicodependente, deveria se tratar. [...]

Eu conheci multimilionários, até mesmo muito idosos. E perguntei a muitos por que razão continuavam acumulando dinheiro se, no fim das contas, deveriam deixá-lo aqui. A resposta sempre foi que não podiam deixar de fazer isso, como uma doença. [...]

A minha ideia de felicidade é especialmente anticonsumista. [...] Parece que nascemos apenas para consumir e, se não podemos mais fazer isso, sofremos a pobreza. Mas, na vida, é mais importante o tempo que podemos dedicar ao que gostamos, aos nossos afetos e à nossa liberdade. E não aquele em que somos obrigados a ganhar cada vez mais para consumir cada vez mais. Não estou fazendo nenhuma apologia da pobreza, mas apenas da sobriedade. [...]
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“As pessoas dedicam toda a sua vida ao trabalho, a produzir riqueza, para poder consumir, para gerar esse crescimento econômico. Mas a vida não é só trabalho. É preciso viver, é preciso amar, é preciso ser feliz, precisa-se de tempo para viver, amar e ser feliz. Ninguém compra cinco anos de vida no supermercado. [...]

A acumulação capitalista necessita que compremos, compremos e gastemos e gastemos. Vendem mentiras até que te tiram o último dinheiro. Essa é a nossa cultura e a única saída é a contracultura.”

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai

Veneno

"Mostrar cólera e ódio nas palavras ou no semblante é inútil, perigoso, imprudente, ridículo e comum. Não devemos mostrar a nossa cólera ou o nosso ódio senão por meio de atos; e estes podem ser praticados tanto mais perfeitamente quanto mais perfeitamente tivermos evitado os primeiros. Os animais de sangue frio são os únicos que têm veneno."

Arthur Schopenhauer (1788-1860). Aforismos para a Sabedoria de Vida

Velhice

"Com o passar do tempo, há dois sentimentos que desaparecem: a vaidade e a inveja. A inveja é um sentimento horrível. Ninguém sofre tanto como um invejoso. E a vaidade faz-me pensar no milionário Howard Hughes. Quando ele morreu, os jornalistas perguntaram ao advogado: 'Quanto é que ele deixou?'. O advogado respondeu: 'Deixou tudo.' Ninguém é mais pobre do que os mortos."

António Lobo Antunes, escritor português. In: Diário de Notícias (2004)

Tenho de brigar

"Vou brigar contigo.
Vou apanhar e vou sangrar
mas vou brigar.
Tenho de lutar contigo, tenho
de gritar bem alto nomes feios
que sobem à garganta.
Eles crescerão no ar da rua,
subirão às sacadas dos sobrados
e todos ouvirão.
Fui eu quem disse. O magricela. O triste.


Tenho de brigar,
rolar no chão contigo, intimamente
abraçados na raiva. Tenho de
a pontapé ferir o teu escroto.
Pouco importa me batas pelo dobro.
Pouco importa me arrases. Meu irmão
não chamo a socorrer-me. Quero ser
o perdedor que ganha de seu medo."

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Boitempo (1968, 1973, 1979). In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 982

domingo, 23 de outubro de 2016

BUK


"o mundo tem estado mais escuro que um apagão
dentro de um cubículo cheio de morcegos famintos"
------------
"e eu cerrei meus punhos
bem fundo em meus
bolsos, agarrei a escuridão
e segui em frente."
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"e nossos poucos bons momentos serão raros
porque temos um senso crítico
e não somos fáceis de enganar com risadas"
------------
"e em todo lugar todas as coisas iam correndo,
cruéis e não cruéis, aranhas e vagabundos
e soldados e jogadores e loucos"

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015

esperar

"é melhor fazer caminhadas tarde da
noite.
é melhor fazer seus negócios apenas às
segundas e
terças-feiras.
é melhor ficar em um quartinho
com as cortinas fechadas
e
esperar.

os homens mais fortes são a minoria
e as mulheres mais fortes morrem sozinhas
também."

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 49

Com o resto do lixo


"o desperdício de palavras
continua com uma espantosa
persistência
enquanto o garçom passa correndo com a bandeja
lotada
para todos aqueles garotos espertos que riem
de nós.
pouco importa. pouco importa.
enquanto os cadarços dos seus sapatos estiverem
amarrados e
ninguém chegar perto demais
por trás.
só ser capaz de lixar-se e
ser indiferente já é vitória
o bastante.
essas mentes constipadas que buscam
sentidos mais amplos
serão despachadas com o resto
do lixo.
para fora.
se houver luz
ela o 
encontrará."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 77

Tudo certo com o mundo


"ele acreditava que tudo estava
certo com o mundo.
e não dava para reclamar dele:
era um professor de carreira que nunca havia
estado na cadeia ou em um puteiro;
cujo carro usado nunca morreu
na autoestrada; que
nunca havia precisado de mais do que
três drinques durante a mais louca
das suas noitadas;
que nunca havia sido fichado, execrado ou
levado porrada;
que nunca havia sido mordido por um cachorro;
que recebia regularmente cartas cordiais de Gary
Snyder, e cujo rosto era
amável, sem marcas e
carinhoso. finalmente, 
sua mulher nunca o havia traído
muito menos sua sorte."


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 81

Un poema de Corso

"Belano recuerda un poema de Gregory Corso, en donde el desdichado poeta norteamericano hablaba de su único amor, una egipcia muerta hace dos mil quinientos años, [...] una muchacha que sale del baño o de un río o de una piscina y el poeta beat (el entusiasta y desdichado Corso) la contempla desde el otro lado del tiempo, y la muchacha egipcia de largas piernas se siente contemplada, y eso es todo, el flirt entre la egipcia y Corso es breve como un suspiro en la vastedad del tiempo, pero también el tiempo y su lejana soberanía pueden ser un suspiro..."

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001). Barcelona: Anagrama, 2001, p. 205

Kafka e os livros

“É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós.”

Franz Kafka (1883-1924). Diários

The weak at war

"The weak, at war, never know how hard they are hitting you." ["Os fracos, na guerra, nunca sabem o quão forte eles estão batendo em você."]

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 226

As pessoas parecem flores finalmente


"ele a viu em uma loja de bebidas
e isso mexeu com ele
mexeu mexeu mexeu
igual a carne de tubarão ainda viva à luz do sol remexendo-se."
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"meus sapatos no armário como lírios
esquecidos,
meus sapatos agora sós
como cães andando por ruas mortas,
e eu recebi uma carta de uma
mulher em um hospital,
amor, ela diz, amor,
mas eu não lhe respondo,
eu não me entendo,
ela me envia fotografias
dela mesma
tiradas do hospital
e eu me lembro dela em outras
noites,
não morrendo,
seus sapatos com saltos como punhais
ao lado dos meus
no armário;
como aquelas noites fortes
mentiram por nós,
como aquelas noites ficaram quietas
enfim,
meus sapatos agora sós no armário,
sobrevoados por casacos e
camisas amassadas,
e eu olho para a abertura deixada
pela porta
e as paredes, e não
escrevo
uma resposta."

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"eu era tão amarelo de covardia quanto o sol talvez
mas também tão quente e tão verdadeiro quanto o sol
em algum lugar lá dentro de mim
mas nunca ninguém acharia esse lugar.
eu certamente acabaria para sempre chorando os blues em
uma
xícara de café em um parque para velhos jogarem
xadrez ou algum outro jogo bobo.
merda! merda!"

-----------------
"eu podia entender a lua inclinando-se sobre um bar no
beco
ao pedir um drinque, mas eu não podia entender nada
sobre mim mesmo
eu estava assassinado, eu era um merda, e era uma
matilha de cães,
eu era papoulas ceifadas por rajadas de metralhadora
eu era uma vespa presa em uma teia de aranha
eu era cada vez menos e menos e ainda assim tentando
alcançar
algo"


Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015

Poetas

"Conocí hace tiempo a tres hermanos argentinos que murieron intentando la revolución en países diferentes de Latinoamérica. Los dos mayores se traicionaron mutuamente y de paso traicionaron al menor. Éste no cometió traición alguna, y murió, dicen, llamándolos, aunque lo más probable es que muriera en silencio. Los hijos del león español, decía Rubén Darío, un optimista nato. Los hijos de Walt Whitman, de José Martí, de Violeta Parra; desollados, olvidados, en fosas comunes, en el fondo del mar, sus huesos mezclados en un destino troyano que espanta a los supervivientes. [...] Pienso en los poetas muertos en el potro de tortura, en los muertos de sida, de sobredosis, en todos los que creyeron en el paraíso latinoamericano y murieron en el infierno latinoamericano."

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001). Barcelona: Anagrama, 2001, p. 214

domingo, 16 de outubro de 2016

Death


"As we approach, through technology, the phase of instantaneous realization, of the realization of eternal human desires or fantasies, of abolishing time and space the problem of boredom can only become more intense. The human being, more and more oppressed by the peculiar terms of his existence – one time around for each, no more than a single life per customer – has to think of the boredom of death. O those eternities of nonexistence! For people who crave continual interest and diversity, O! how boring death will be! To lie in the grave, in one place, how frightful!

Socrates tried to soothe us, true enough. He said there were only two possibilities. Either the soul is immortal or, after death, things would be again as blank as they were before we were born. This is not absolutely comforting either."

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 203-204

Anarquistas

“Somos anarquistas por un sentimiento que es la fuerza motriz de todos los verdaderos reformadores sociales y sin el cual nuestro anarquismo seria una mentira o un sin sentido. Este sentimiento es el amor por los hombres, es el hecho de sufrir por los sufrimientos ajenos. Si como, no puedo comer a gusto al pensar que algunos mueren de hambre; si compro un juguete para mi hijo y me alegro de su felicidad, mi alegría se amarga al ver ante el escaparate niños con los ojos anhelantes que podrían ser felices con un títere de dos reales y no pueden tenerlo; si me divierto, mi espíritu se entristece al recordar que en prisión gimen muchos seres humanos; si estudio o realizo algún trabajo que me gusta, siento algo así como un remordimiento al pensar que tantos hombres con mayor ingenio que yo están obligados a desperdiciar su vida en una ocupación alienante, muchas veces inútil o perjudicial...”.

Errico Malatesta (1853-1932), teórico e ativista anarquista italiano

Ódio à inteligência

"Há, dividindo espaço com opressões próprias ao campo do saber, um estranho ódio ao saber em sua forma crítica e desconstrutiva. Um ódio que se relaciona com a ameaça libertária do saber, um saber capaz de desmistificar, de contrastar certezas e de desvelar a ignorância que serve de base para todos os preconceitos. O pensamento e a ousadia intelectual tornaram-se insuportáveis para muitas pessoas chegando a um nível institucional e, não raro, acabam excluídos ou mesmo criminalizados."

Marcia Tiburi. Ódio à inteligência: sobre o anti-intelectualismo. Revista Cult

A educação atual produz zumbis

“Temos um sistema que instrui e usa de forma fraudulenta a palavra educação para designar o que é apenas a transmissão de informações. É um programa que rouba a infância e a juventude das pessoas, ocupando-as com um conteúdo pesado, transmitido de maneira catedrática e inadequada. [...] O nome educação é usado para designar algo que se aproxima de uma lavagem cerebral. É um sistema que quer um rebanho para robotizar. A criança é preparada, por anos, para funcionar num sistema alienante, e não para desenvolver suas potencialidades intelectuais, amorosas, naturais e espontâneas.

[...] a educação funciona como um grande sistema de seleção empresarial. É usada para que o estudante passe em exames, consiga boas notas, títulos e bons empregos. É uma distorção do papel essencial que a educação deveria ter.”

Claudio Naranjo. A educação atual produz zumbis. Para epoca.globo.com

O dia do curinga


"— Minha casa é em lugar nenhum — prosseguiu ele. — Não sou de copas, nem de ouros, nem de paus, nem de espadas. Também não sou rei ou valete, nem oito, nem ás. Aqui estou eu, um simples curinga. E tive de descobrir sozinho o que é ser um curinga. Toda vez que mexo a cabeça, meus guizos tilintam e me lembram de que não tenho família, de que sou sozinho. Não tenho um número nem um ofício. Não domino a arte de soprar vidro dos anões de ouros, nem a arte da panificação dos anões de copas; a mim me faltam as mãos habilidosas para lidar com a terra, como as dos anões de paus, e também a força muscular dos anões de espadas. Assim, tudo o que sempre fiz foi andar por aí observando tudo o que os outros faziam. Em contrapartida, pude ver um monte de coisas para as quais todos os outros sempre foram cegos."

Jostein Gaarder (1952-). O dia do curinga (1990). São Paulo: Companhia das Letras

Stupidity

"They're talking about things of which they don't have the slightest understanding, anyway. It's only because of their stupidity that they're able to be so sure of themselves."

Franz Kafka (1883-1924). TheTrial (1925)

pois eles tinham coisas para dizer

"os canários estavam lá, e o limoeiro
e a mulher velha com verrugas;
e eu estava lá, uma criança
e eu tocava as teclas do piano
enquanto eles conversavam –
mas não tão alto
pois tinham coisas para dizer
todos os três;
e eu os espiava a cobrirem os canários à noite
com sacos:
'assim eles conseguem dormir, querido.'


eu toquei o piano bem baixo
uma nota por vez,
os canários sob seus sacos,
e havia pimenteiras,
pimenteiras roçando o telhado feito chuva
e pendendo de fora da janela
como chuva verde,
e eles conversavam, os três
sentados em um semicírculo na noite quente,
e as teclas eram pretas e brancas
e respondiam a meus dedos
como a magia secreta
de um mundo adulto à espera;
e agora eles se foram, todos os três
e eu estou velho:
pés de piratas pisotearam
os assoalhos bem varridos
da minha alma,
e os canários não cantam mais."

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 13

As pessoas parecem flores finalmente


"que cantoria prossegue nas
ruas –
as pessoas parecem flores
finalmente

a polícia guardou suas
insígnias
o exército rasgou seus uniformes e
destroçou suas armas. não há mais necessidade de
cadeias ou jornais ou hospícios ou
trancas nas portas.

uma mulher vem correndo até minha porta
ME COMA! ME AME!
ela grita.

ela é bela como um charuto
depois de jantar um bom filé. eu
a possuo.

mas depois de sua partida
eu me sinto esquisito
tranco a porta
vou à escrivaninha e pego a pistola
da gaveta. ela tem seu próprio senso de
amor.
AMOR! AMOR! AMOR! a multidão canta nas
ruas.

eu atiro pela janela
o vidro corta meu rosto e
braços. acerto um garoto de 12 anos
um velho de barba
e uma adorável moça algo parecida a uma
violeta.

a multidão para de cantar para
me olhar.
estou parado na janela quebrada
o sangue em meu
rosto.

'isso', eu grito para eles, 'é em defesa da
pobreza de si mesmo e em defesa da liberdade
de não amar!'

'deixe-o em paz', alguém diz,
'ele está louco, viveu uma vida ruim por
tempo demais.'

entro na cozinha
sento-me e encho um
copo de uísque.

resolvo que a única definição da
Verdade (que muda)
é ela ser a única coisa ou ato ou
crença que a multidão
rejeita.

estão socando minha
porta. é a mesma mulher de novo.
ela é tão bela como encontrar um
sapo verde e gordo no
jardim.

eu tenho 2 balas restantes e
uso
ambas.

nada no ar a não ser
nuvens. nada no ar a não ser
chuva. a vida de cada homem é curta demais para
encontrar sentido e
todos os livros quase um
desperdício.

sento e os ouço
a cantar.
sento e os
ouço."

Charles Bukowski (1920-1994). As pessoas parecem flores finalmente. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 25, 26 e 27

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Mediocridade

"Toda a vida bem vivida, harmoniosamente vivida, vivida sem faltas, sem manchas, com felicidade, com serenidade, é uma vida medíocre. Tudo o que passe do medíocre tem em si o excesso e o erro."

Agostinho da Silva (1906-1994), poeta português

Insane

"...psychotherapists may become the new spiritual leaders of mankind. A disaster. Goethe was afraid the modern world might turn into a hospital. Every citizen unwell. The same point in 'Knock' by Jules Romains. Is hypochondria a creation of the medical profession? According to this author, when culture fails to deal with the feeling of emptiness [...] other agents come forward to put us together with therapy, with glue, or slogans, or spit, or as that fellow Gumbein the art critic says, poor wretches are recycled on the couch. This view is even more pessimistic than the one held by Dostoievski's Grand Inquisitor who said: mankind is frail, needs bread, cannot bear freedom but requires miracle, mystery, and authority. A natural disposition to feelings of emptiness and panic is worse than that. Much worse. What it really means is that we human beings are insane."

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 177

Light

"...I speak as a person who had lately received or experienced light. I don't mean 'The light'. I mean a kind of light-in-the-being, a thing difficult to be precise about [...]. And this light, however it is to be described, was now a real element in me, like the breath of life itself. I had experienced it briefly, but it had lasted long enough to be convincing and also to cause an altogether unreasonable kind of joy. Furthermore, the hysterical, the grotesque about me, the abusive, the unjust, that madness in which I had often been a willing and active participant, the grieving, now had found a contrast. I say 'now' but I knew long ago what this light was. Only I seemed to have forgotten that in the first decade of life I knew this light and even knew how to breathe it in. But this early talent or gift or inspiration, given up for the sake of maturity or realism (practicality, self-preservation, the fight for survival), was now edging back. Perhaps the vain nature of ordinary self-preservation had finally become too plain for denial. Preservation for what?".

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 179

Pesadillas


"Por las noches me costaba dormir. Tenía pesadillas. Antes de meterme en la cama me aseguraba de que las puertas y las ventanas de mi habitación estuvieran herméticamente cerradas. Se me secaba la boca y la única solución era beber agua. Me levantaba continuamente e iba al baño a llenarme el vaso con agua. Ya que estaba levantado aprovechaba para comprobar una vez más si había cerrado bien la puerta y las ventanas. A veces me olvidaba de mis aprensiones y me quedaba junto a la ventana observando el desierto de noche. Luego volvía a la cama y cerraba los ojos, pero como había bebido tanta agua no tardaba en levantarme de nuevo, esta vez para orinar. Y ya que me había levantado volvía a comprobar las cerraduras de la habitación y volvía a quedarme quieto escuchando los ruidos lejanos del desierto (motores en sordina, coches que iban hacia el norte o hacia el sur) o mirando la noche a través de la ventana. Hasta que amanecía y entonces por fin podía dormir algunas horas seguidas, dos o tres como mucho."

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001), Barcelona: Anagrama, 2001, p. 29

Ler

"Leituras que arrastam leituras, páginas que se desdobram, em um desfiladeiro sem fim. Nenhum método, nenhuma teoria, nenhum 'projeto'. Tudo muito distante de qualquer rigor. Nenhuma direção fixa, nenhum 'objetivo'. Nada parecido. Só o prazer de ler sem parar e, sem parar, entregando-me ao sabor das palavras, misturando, até que se dissolvam uma na outra, literatura e vida. É como gosto de ler."

José Castello. Orgulho e vaidade. In: Pernambuco - Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado

Sobre Educação


"Ninguém mais tem a liberdade de dar uma educação nobre aos seus filhos na Alemanha atual: nossas escolas 'superiores', com seus professores, com seus planos e metas de ensino, estão todas orientadas para a mediocridade mais ambígua. E por toda parte reina uma pressa indecorosa, como se alguma coisa houvesse se perdido se o jovem ainda não estivesse 'pronto' aos 23 anos, se ainda não soubesse responder à 'pergunta capital': qual profissão? - Homens de um tipo superior, se me permitem dizê-lo, não gostam de 'profissões', precisamente porque sabem que têm vocações... Eles têm tempo, tomam tempo para si, de modo algum pensam em ficar 'prontos' - com trinta anos, no sentido de uma cultura superior, se é um iniciante, uma criança - Nossos ginásios superlotados, nossos professores ginasiais sobrecarregados, estupidificados, são um escândalo: para defender essa situação, como fizeram recentemente os professores de Heidelberg, talvez haja causas - razões para tanto não há."

Friedrich Nietzsche (1844-1900). Crepúsculo dos ídolos. Porto Alegre: L&PM, 2015,´p. 71-72

I

"We turned into Forty-seventh Street, the boundary between rich man's Kenwood and poor man's Oakwood, passing the locked tavern which lost its license because a fellow had gotten twenty stab wounds there over a matter of eight dollars. This was what Cantabile meant by 'crazy buffaloes'. Where was the victm? He was buried. Who was he? Nobody could tell you. And now others, casually regardant, passed the place in automobiles still thinking of an 'I', and of the past and the prospects of this 'I'. If there was nothing in this but some funny egoism, some illusion that fate was being outwitted, avoidance of the reality of the grave, perhaps it was scarcely worth the trouble. But that remained to be seen."

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 190-191

Naturaleza

“...la naturaleza es la naturaleza, Max, desengáñate, y estará siempre ahí, como un misterio irremediable, y no me refiero a los bosques que se queman sino a las neuronas que se queman y al lado izquierdo o al lado derecho del cerebro que se quema en un incendio de siglos y siglos.”

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001), Barcelona: Anagrama, 2001, p. 119

Reino del futuro

“...algo en ti me llamó la atención, tu cara, tus ojos que miraban hacia el lugar en donde estaba la cámara (probablemente sin saber que te estaban grabando y que en nuestras casas te veíamos), unos ojos sin profundidad, distintos de los ojos que tienes ahora, infinitamente distintos de los ojos que tendrás dentro de un rato, que miraban la gloria y la felicidad, los deseos saciados y la victoria, esas cosas que sólo existen en el reino del futuro y que más vale no esperar pues nunca llegan.”

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001), Barcelona: Anagrama, 2001, p. 113

Talent

“Suppose then that you began with the proposition that boredom was a kind of pain caused by unused powers, the pain of wasted possibilities or talents, and was accompanied by expectations of the optimun utilization of capacities. […] Modern French literature is especially preoccupied with the theme of boredom. Stendhal mentioned it on every page, Flaubert devoted books to it, and Baudelaire was its chief poet. What is the reason for this peculiar French sensitivity? Can it be because the ‘ancien régime’, fearing another Fronde, created a court that emptied the provinces of talent?”

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 201

Desmesura

"Me sobrevino la muerte en una discoteca de París a las cuatro de la mañana. Mi médico me lo había advertido pero hay cosas que son superiores a la razón. Erróneamente creí (algo de lo que aún ahora me arrepiento) que el baile y la bebida no constituían la más peligrosa de mis pasiones. Además, mi rutina de cuadro medio en FRACSA contribuía a que cada noche buscara en los locales de moda de París aquello que no encontraba en mi trabajo ni en lo que la gente llama vida interior: el calor de una cierta desmesura."

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001), Barcelona: Anagrama, 2001, p. 129

Barcelona

"...salimos a cenar a uno de los mejores restaurantes de la ciudad, y un fotógrafo de prensa que había allí nos hizo una foto, es esa que tengo colgada en el comedor, con Herrera y Buba y yo sonriendo, bien vestidos, delante de una mesa exquisita, si me permiten la expresión (pero es que otra no hay), dispuestos a comernos el mundo aunque en nuestro fuero interno teníamos bastantes dudas (sobretodo Herrera y yo) de que efectivamente fuéramos a comernos nada. [...] hablamos de películas, de viajes, pero no de viajes de trabajo sino de viajes de placer, y de poco más. Y cuando salimos del restaurante, no sin antes haberle firmado autógrafos a los camareros y al cocinero y a los pinches de cocina, nos pusimos a caminar durante un rato por las calles vacías de la ciudad, esa ciudad tan bonita, la ciudad de la sensatez y del sentido común como la llamaban algunos exaltados, pero que también era la ciudad del resplandor en donde uno se sentía bien consigo mismo, y que para mí ahora es la ciudad de mi juventud, bueno, como decía, nos pusimos a caminar por las calles de Barcelona..."

Roberto Bolaño (1953-2003). Putas asesinas (2001), Barcelona: Anagrama, 2001, p. 165

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Reconhecimento II

"...reconhecimento não é só pecuniário, financeiro, é autoral. É necessário que a empresa exalte, mostre quem colaborou com aquilo. À medida que você tem reconhecimento, comemoração, celebração, isso dá energia vital para continuar fazendo. Não se entende aquilo como sendo apenas uma tarefa. O reconhecimento ultrapassa a ideia de tarefa. Não sei se seu pai fazia isso, mas eu chegava em casa com o boletim da escola, altas notas, e ele dizia: 'não fez mais que a obrigação' - isto é altamente desestimulador. É preciso reconhecer, dizer que é bacana, comemorar. Aquilo que estimula a continuar naquela rota. Reconhecimento é a principal forma de estímulo que alguém pode ter."

Juvenildo Carvalho. In: https://www.linkedin.com/pulse/reconhecimento-%C3%A9-melhor-forma-de-estimular-algu%C3%A9m-jovenildo-carvalho

Dueño de si

"Parecía dueño de sí mismo. Y a su manera y dentro de su ley, cualquiera que fuera, era más dueño de sí mismo que todos los que estábamos en aquel bar silencioso. Era más dueño de sí mismo que muchos de los que caminaban en ese momento por las calles de Lloret o trabajaban preparando la inminente temporada turística. Era duro y no tenía nada o tenía muy poco y no parecía darle demasiada importancia."

Roberto Bolaño (1953-2003). La literatura nazi en América (1993). Barcelona: Anagrama, 2015, p. 212

Reconhecimento

"Mesmo as pessoas mais altruístas querem ser reconhecidas e recompensadas por um trabalho bem feito. É a natureza humana. Quando você deixa de reconhecer o esforço de seus empregados, você não está só os desmotivando, mas também perdendo a maneira mais eficaz de gerar melhores resultados. Se seu orçamento é limitado para bônus e promoções, há muitas formas de baixo custo para fornecer o reconhecimento — uma palavra de apreço é gratuita. É bastante conveniente pedir que o funcionário 'vista a camisa da empresa' enquanto ela não veste a dele. Pense nisso."

Matheus de Souza. In: http://www.administradores.com.br/artigos/carreira/5-razoes-pelas-quais-os-melhores-colaboradores-se-demitem-mesmo-quando-gostam-do-seu-trabalho/97378/

Sorry

"Humboldt's big intelligent disordered face was white and hot with turbulent occult emotions and brainstorms. I felt sorry for us, for both, for all of us, such odd organisms under the sun."

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 126

Ritual da leitura


"...nesse começo de insônia, aquele ritual da leitura, toda noite, à sua cabeceira, quando ele era pequeno – hora certa e gestos imutáveis –, tinha um pouco de prece. Aquele súbito armistício depois da barulhada do dia, aqueles reencontros fora de todas as contingências, o momento de recolhido silêncio antes das primeiras palavras do conto, nossa voz enfim igual a ela mesma, a liturgia dos episódios... Sim, a história lida cada noite preenchia a mais bela das funções da prece, a mais desinteressada, a menos especulativa e que não diz respeito senão aos homens: o perdão das ofensas. [...] Sem saber, descobríamos uma das funções essenciais do conto e, mais amplamente, da arte em geral, que é impor uma trégua ao combate entre os homens.

O amor ganhava pele nova.

Era gratuito.

Gratuito. Era bem assim que ele entendia. Um presente. Um momento fora dos momentos. Apesar de tudo. A história noturna o liberava do peso do dia. Largávamos as amarras. Ele ia com o vento, imensamente leve, e o vento era a nossa voz.

Como preço dessa viagem, não se exigia nada dele, nem um tostão, não se pedia a menor compensação. E não era nem mesmo uma recompensa. (Ah! as recompensas – como era preciso se mostrar digno de ter sido recompensado!). Aqui, tudo se passava no país da gratuidade.
A gratuidade, que é a única moeda da arte."

Daniel Pennac (1944-). Como um romance (1992). Porto Alegre: L± Rio de Janeiro: Rocco, 2008, p.31-32

Pensando fora da caixa

"Se você está absolutamente dentro de uma caixa, você acredita que aquilo é o mundo, é o todo; e, portanto, não pode imaginar a existência da própria caixa, o que dirá fora dela. Ora, para pensar fora da caixa é preciso dominar um repertório que seja alternativo ao dominante dentro da caixa, e isso não é uma coisa que se consegue com um conselho; isso pressupõe competência intelectual, pressupõe domínio de referenciais cognitivos. [...] O que acontece na verdade é que as empresas adoram falar em pensar fora da caixa, mas quando se deparam com alguém que de fato tem competência para pensar fora da caixa, excluem-no da caixa. [...] Um chefe adora alguém que pense fora da caixa, desde que as conclusões sejam as dele."

Clóvis de Barros Filho. In: https://www.youtube.com/watch?v=JzUQ48preec&feature=share

Medíocres

“Vem aumentando o número de pesquisas psicológicas que indicam que características pessoais ligadas à superestima das próprias qualificações e conhecimentos privam as pessoas da capacidade de reconhecer sua própria incompetência em diversos aspectos da realidade. Ou seja: a maioria das pessoas não tem a menor noção de que sabem menos do que acham que sabem. [...]

[...] as pessoas que não são talentosas em uma determinada área tendem a não reconhecer os talentos e boas ideias dos outros, de colegas de trabalho a políticos. Isso pode impedir o processo democrático, que conta com cidadãos com capacidade de identificar e apoiar o melhor candidato ou a melhor política.

Conclusão: você deve se lembrar de que pode não ser tão bom quanto pensa que é. E pode não estar certo sobre as coisas que você acredita que está certo. E, além de tudo, se você tentar fazer piadas sobre isso, pode não ser tão engraçado quanto você pensa.”

Natalie Wolchover. In: http://www.contioutra.com/pessoas-ignoram-propria-ignorancia-e-isso-tem-um-preco/

Educação na Finlândia

Trechos de um documentário de Michael Moore sobre a educação na Finlândia (10 min.; legendado em português):

“Eles não têm dever de casa. [...] Eles devem ter mais tempo para serem crianças, para serem jovens, para aproveitarem a vida. [...] O nosso cérebro tem que relaxar de vez em quando. Se você apenas trabalha e trabalha constantemente, então para de aprender. [...]. ‘Quantas línguas vocês falam?’. Respostas de um grupo de estudantes: ‘Inglês, claro, Sueco, Espanhol’; ‘Finlandês e Sueco’; ‘Finlandês, Inglês e Alemão’; ‘Francês e Alemão’; ‘Finlandês e Inglês’; ‘Sueco, Francês e Espanhol’. [...] ‘Aqui não há exames de múltipla escolha?’. ‘...muito pouco, senão nenhum’. ‘Mas como é que você dá a resposta certa se ela não constar na lista com as quatro escolhas?’. ‘A gente escreve a nossa resposta. Temos que sabê-la’. [...] Na Finlândia, não há testes padronizados [como ENEM, ENADE, etc.]. Professora: ‘Nós tentamos ensinar-lhes tudo aquilo que necessitam, de modo que possam usar efetivamente seus cérebros o melhor que podem, incluindo educação física, artes, música, tudo que de fato possa fazer o cérebro trabalhar melhor’. [...] Professora: ‘Nos Estados Unidos a educação é um negócio. Existem corporações ganhando dinheiro. Aqui é tudo tão centrado no estudante, que quando temos que refazer o parque de recreio, eles mandam os arquitetos para falarem com as crianças’. Na Finlândia, todas as escolas são públicas e têm o mesmo padrão de qualidade.”

Humboldt

"Ah Humboldt had been great – handsome, high-spirited, buoyant, ingenious, electrical, noble. To be with him made you feel the sweetness of life. [...]. To talk to him was sustaining, nourishing. But I used to think, when he mentioned people who had been his friends, that it could be only a question of time before I too was dropped. He had no old friends, only ex-friends. He could become terrible, going into reverse without warning. When this happened, it was like being caught in a tunnel by the Express. You could only cling to the walls, or lie between the rails, praying."

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 164

Efeito Dunning-Kruger

"No dia-a-dia profissional, o Efeito Dunning-Kruger acontece quando uma pessoa não consegue enxergar ou perceber suas próprias limitações e incompetências. A pessoa acredita que sabe mais do que aqueles que realmente conhecem de determinado assunto, tem dificuldade de reconhecer a qualidade de outras pessoas e não reconhece os próprios erros. O excesso de autoconfiança faz com que a pessoa cometa erros que poderiam ser evitados.

Os impactos deste efeito na carreira de um indivíduo podem ser desastrosos. Agora, imagine os impactos em uma equipe: líderes e colaboradores arrogantes, que não escutam e não sabem valorizar outras pessoas e equipes (impacto no clima e relacionamentos), decisões não embasadas, resultados desastrosos, perda de credibilidade, etc. Todas as relações de confiança são abaladas."

Bruna Tokunaga. In: http://revista.administradores.com.br/previewadm45/gestaoecarreira/

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Inveja

"O que fazer da inveja
desabrida
de repente
desferida?
O que fazer da inveja
malgerida
ferida entreaberta
no olho voluptuoso
do invejoso
que quanto mais cobiça
a pele alheia
mais se sente leproso?


Sou pobre de tudo,
de espírito muito.
Cobiçar o que em mim?
A paisagem que persigo?
A esperança que rumino?
O meu trabalho no eito?
O leite da mulher amada
na palha onde me deito?

Não mereço a glória
de vossa fúria.
Advirto, é desperdício.
Deve haver para vossa inveja
melhor alvo e exercício.

De qualquer jeito,
como quem não quer nada,
saio meio de esguelha
pondo um dente de alho na janela
e um ramo de arruda na orelha."

Affonso Romano de Sant'Anna (1937-). Poesia Reunida (1965-1999). Volume 2. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 139

Wives and husbands

"'You're not getting enough air with that woman. You look as if you're suffocating. Your tissues aren't getting any oxygen. She'll give you cancer.'

'Oh', I said. 'She may think she's offering me the blessings of an American marriage. Real Americans are supposed to suffer with their wives, and wives with husbands. Like Mr. and Mrs. Abraham Lincoln. It's the classic US grief, and a child of immigrants like me ought to be grateful. For a Jew it's a step up.'"

Saul Bellow (1915-2005). Humboldt's Gift (1975). London: Penguin Books, 2008, p. 43

Jogo cruzado

“Uma mente dominada por sentimentos inferiores é capaz de obrigar a própria consciência a pactuar com eles, forçando-a, ardilosamente, a pôr as piores ações em harmonia com as melhores razões e a justificá-las umas pelas outras, numa espécie de jogo cruzado."

José Saramago (1922-2010). O homem duplicado (2002). São Paulo: Companhia das Letras

Luz Mendiluce


"El fracaso matrimonial sume a Luz en la desesperación. Se dedica a la bebida, a frecuentar antros y a tener aventuras con los personajes de peor catadura de Buenos Aires. De esa fecha data su famoso poema 'Con Hitler fui feliz', texto incomprendido tanto por la derecha como por la izquierda. Su madre intenta enviarla a Europa, pero Luz se niega. Por entonces pesa más de noventa kilos (apenas mide 1,58) y acostumbra a beber una botella de whisky al día.

En 1953, coincidiendo con la muerte de Stalin y de Dylan Thomas, publica el poemario 'Tangos de Buenos Aires', en donde, además de una versión corregida y aumentada de 'Con Hitler fui feliz', se incluyen algunos de sus mejores poemas: 'Stalin', una fábula caótica que transcurre entre botellas de vodka y alaridos incomprensibles, 'Autorretrato', posiblemente uno de los poemas más crueles que se hayan escrito en la Argentina en la década de los cincuenta, pródiga en poemas de este tipo, 'Luz Mendiluce y el Amor', en la línea del anterior pero con algunas dosis de ironía y de humor negro que lo hacen más respirable, y 'Apocalipsis a los cincuenta años', una promesa de suicidio llegada a esa edad que quienes la conocen tachan de optimista: con el ritmo de vida que lleva, Luz Mendiluce es una firme candidata a morir antes de los treinta."

Roberto Bolaño (1953-2003). La literatura nazi en América (1993). Barcelona: Anagrama, 2015, p. 30

Clarice

"Só outra coisa eu conheci tão total e cega e forte como esta minha vontade de me espojar na violência: a doçura da compaixão. Só isto ainda posso tentar pôr no outro prato da balança – pois no primeiro prato está o sangue e o ódio ao sangue que dói."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 594

Fui fechando as doçuras de minha natureza a cada golpe que recebia e as doçuras negadas foram se enegrecendo como nuvens simples que vão se fechando em escuridão e eu abaixo a cabeça à tempestade."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 595

"Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: 'Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!'."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 354

"Será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe? E ela, a faxineira, que mora na Raiz da Serra e acorda às quatro da madrugada para começar o trabalho da manhã na Zona Sul, de onde volta tarde para a Raiz da Serra, a tempo de dormir para acordar às quatro da manhã e começar o trabalho na Zona Sul, de onde – Eu vou te dar o meu segredo mortal: viver não é uma arte."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 353

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Wittgenstein

"Possibly I have not mentioned that Wittgenstein had a pet seagull which came to his window each morning to be fed.

Or even that he ever lived in Ireland.

Or rather what occurs to me is that I may have said it was somebody else who had the pet seagull. And in another place altogether.

On my honor, it was Wittgenstein who had it. At Galway Bay.

Wittgenstein also played an instrument, incidentally.

And sometimes did some sculpture.

I enjoy knowing both of those things about Wittgenstein.

In fact I also enjoy knowing that he once worked as a gardener, in a monastery.

And inherited a good deal of money, but gave it all away.

In fact I believe I would have liked Wittgenstein.

Especially since what he did with the money, once he did decide to give it away, was to arrange to have it be used to help other writers who did not have any.

Such as Rainer Maria Rilke.

Actually, the next time I am in a town where there is a bookstore to let myself into, perhaps I will try to find something to read by Wittgenstein after all."

David Markson (1927-2010). Wittgenstein's Mistress (1988). London: Dalkey Archive Press, 2015, p. 174-175

Certo e errado

"Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários, trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o dever cumprido. Errado é dar calote, repetir o ano, beber demais, fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede. Todo mundo de acordo?

Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias, emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita dentro de nós. [...]

O amor é certo, o ódio é errado, e o resto é uma montanha de outros sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego, saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se adaptam às regras do bom comportamento. [...]

Todo o resto é o que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos?"

Martha Medeiros (1961-). Coisas da vida. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 11-12