sexta-feira, 22 de julho de 2016

Fantasmas


"Deuce, que tinha medo de fantasmas, vivia esperando a hora em que Webb o encontraria. Em sonhos que em nada diferiam da sua juventude desgraçada, ele largava Lake no meio da noite, saía gritando pelas trevas inexploradas nas profundezas de celeiros mal-assombrados, desafiando o que quer que estivesse ali a sair no espaço aberto, o qual por si só se tornara malévolo. Ficava esperando até o mais fundo da noite sem relógio por montanhas com quilômetros de altura que só saíam à noite, esperando a hora de conduzir uma carroça sem dono morro acima até chegar a um cemitério outonal e ser encontrado pelo homem que ele matara. Mosquitos do tamanho de animais domésticos, com olhos tão reencarnados e expressivos quanto os de um cão, e corpos quentes e bons de apertar como coelhos, esbarravam nele lentamente...

Por vezes Deuce tinha a impressão de que havia enfiado a cabeça num cômodo muito pequeno, pouco maior do que uma cabeça humana, sem eco, fechado, silencioso... 'É... quem sabe', ele mal conseguia ouvir sua própria voz, 'eu seria capaz de sair por aí matando um monte de pessoas? E aí eu não ia me sentir desse jeito por causa daquela única morte...'."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 483

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