domingo, 3 de julho de 2016

Liberdade

“O mundo proclamou a liberdade, sobretudo ultimamente, e eis o que vemos dessa liberdade deles: só escravidão e suicídio! Porque o mundo diz: ‘Tens necessidades e por isso satisfaze-as, porque tens os mesmos direitos que os homens mais ilustres e ricos. Não temas satisfazê-las e até procura multiplicá-las' – eis a atual doutrina do mundo. É nisso que veem a liberdade. E o que resulta desse direito à multiplicação das necessidades? Para os ricos o isolamento e o suicídio espiritual, para os pobres, a inveja e o assassinato, porquanto esses direitos foram concedidos mas ainda não se indicaram os meios de satisfazer as necessidades. Asseguram que, quanto mais tempo passar, mais o mundo irá unir-se, irá constituir-se num convívio fraterno porque isso reduz as distâncias, transmite as ideias pelo ar. Ai, não credes nessa união dos homens.

Compreendendo a liberdade como a multiplicação e o rápido saciamento das necessidades, deformam sua natureza porque geram dentro de si muitos desejos absurdos e tolos, os hábitos e as invenções mais disparatadas. Vivem apenas para invejar uns aos outros, para a luxúria, a soberba. Dar jantares, viajar, possuir carruagens, posição social e criados escravos eles já consideram uma necessidade, e para saciá-la sacrificam até a vida, a honra, o amor ao homem, e até se matam se não conseguem saciá-la. Vemos a mesma coisa naqueles que não são ricos, e entre os pobres o não saciamento das necessidades e a inveja ainda são abafados pela bebedeira. Em breve, em vez do vinho haverão de embebedar-se com sangue, para isto estão sendo conduzidos.

Eu vos pergunto: esse homem é livre?”

Fiodor Dostoievski (1821-1881). Os irmãos Karamázov (1880). 2ª parte - Livro VI: Um monge russo

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