segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Um minuto



"Num ponto qualquer afastado do universo que se expande no brilho de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez uma estrela na qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais arrogante e mais enganoso da 'história universal': mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, a estrela congelou e os animais inteligentes morreram."

Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Estrelas e madrugadas


Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

(...)

Oh! todo o sossego e lucidez das madrugadas, quando o último grilo já parou seu canto e ainda não se ouviu o canto do primeiro pássaro...

Mario Quintana

L'invention de la solitude



A. se rappelle avec quelle emótion, à Paris, en 1974, il a découvert ce poème de Lycophron (300 ans environ avant J.-C.), un monologue de dix-sept cents vers, délires de Cassandre dans sa prison avant la chute de Troie. L’oeuvre lui a été révélée par la traduction française de Q., un écrivain du même age que lui (vingt-quatre ans). Trois ans plus tard, rencontrant Q. dans un café de la rue Conde, il lui a demandé s’il en existait à sa connaissance une version anglaise. Q. lui-même ne lisait ni ne parlait l’anglais mais, oui, il l’avait entendu dire, d’un certain lord Royston, au début du XIXe siècle. Dès son retour à New York, pendant l’été 1974, A. s’est rendu à la bibliothèque de Columbia University pour rechercher ce livre. A sa grande surprise, il l’a trouvé. Cassandre, traduit du grec original de Lycophron et illustré de notes; Cambridge, 1806.

Cette traduction est le seul ouvrage de quelque importance que l’on doive à la plume de lord Royston. Il l’a achevée alors qu’il était encore étudiant à Cambridge et a publié lui-même une luxueuse édition privée du poème. Puis il est parti, après l’obtention de ses diplômes, pour le traditionnel périple sur le continent. A cause des désordres napoléoniens en France, il ne s’est pas dirigé ver le Sud – comme il eût été naturel pour un jeune homme de son éducation – mais vers le Nord, vers les pays scandinaves, et en 1808, alors qu’il naviguait sur les eaux perfides de la Baltique, il s’est noyé au cours d’un naufrage au large des côtes russes. Il avait juste vingt-quatre ans. (...)

En découvrant cette traduction, A. s’est rendu compte qu’un grand talent avait disparu dans ce naufrage. L’anglais de Royston roule avec une telle violence, une syntaxe si habile et si acrobatique qu’à la lecture du poème on se sent pris au piège dans la bouche de Cassandre.

Il a été frappé aussi de constater que Royston et Q., l’un comme l’autre, avaient à peine vingt ans quand ils ont traduit cette oeuvre. A un siècle et demi de distance, l’un et l’autre ont enrichi leur propre langage, par le truchement de ce poème, d’une force particulière. L’idée l’a effleuré, un moment, que Q. était peut-être une réincarnation de Royston. Tous les cent ans environ, Royston renaîtrait afin de traduire le poème dans une autre langue et, de même que Cassandre était destinée à n’être pas crue, de même l’oeuvre de Lycophron demeurerait ignorée de génération en génération.
Un travail inutile, par conséquent: écrire un livre qui restera fermé à jamais. Et encore, cette vision: le naufrage. La conscience engloutie au fond de la mer, le bruit horrible des craquements du bois, les grands mâts qui s’effondrent dans les vagues. Imaginer les pensées de Royston au moment où son corps s’écrasait à la surface des flots. Imaginer le tumulte de cette mort.

Paul Auster, L'invention de la solitude (1982). Babel, 2009, p. 200-202

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Siddhartha (II)



From that hour Siddhartha ceased to fight against his destiny. There shone in his face the serenity of knowledge, of one who is no longer confronted with conflict of desires, who has found salvation, who is in harmony with the stream of events, with the stream of life, full of sympathy and compassion, surrendering himself to the stream, belonging to the unity of all things. (p. 136)

“When someone is seeking,”, said Siddhartha, “it happens quite easily that he only sees the thing that he is seeking; that he is unable to find anything, unable to absorb anything, because he is only thinking of the thing he is seeking, because he has a goal, because he is obsessed with his goal. Seeking means: to have a goal; but finding means: to be free, to be receptive, to have no goal. You, O worthy one, are perhaps indeed a seeker, for in striving towards your goal, you do not see many things that are under your nose.” (p. 140)

Hermann Hesse, Siddhartha (1922), Bantam Books

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Siddhartha


"At times he heard within him a soft, gentle voice, which reminded him quietly, complained quietly, so that he could hardly hear it. Then he suddenly saw clearly that he was leading a strange life, that he was doing many things that were only a game, that he was quite cheerful and sometimes experienced pleasure, but that real life was flowing past him and did not touch him. Like a player who plays with his ball, he played with his business, with the people around him, watched them, derived amusement from them; but with his heart, with his real nature, he was not there. His real self wandered elsewhere, far way, wandered on and on invisibly and had nothing to do with his life."

"You are like me; you are different from other people. You are Kamala and no one else, and within you there is a stillness and sanctuary to which you can retreat at any time and be yourself, just as I can. Few people have that capacity and yet everyone could have it."

Hermann Hesse, Siddhartha (1922), Bantam Books, p. 71

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

meu avô


‎meu avô era um alemão alto

com um cheiro estranho no hálito.
ele permanecia muito ereto
em frente à sua casinha
e sua esposa o odiava
e seus filhos o achavam estranho.
eu tinha seis anos a primeira vez que nos vimos
e ele me deu todas as suas medalhas de guerra.
na segunda vez que nos vimos
ele me deu seu relógio de bolso dourado.
era muito pesado e eu o levei para casa
e dei corda bem forte
e ele parou de funcionar
o que me fez sentir mal.
nunca mais voltei a vê-lo
e meus parentes nunca falavam dele
nem mesmo minha avó
que muito tempo atrás
deixou de viver em sua companhia.
uma vez perguntei por ele
e me disseram
que bebia demais
mas na melhor imagem que guardo dele
ele está muito ereto
em frente a sua casa
e dizendo, "olá, Henry, você
e eu, nós nos
conhecemos".

Charles Bukowski, O amor é um cão dos diabos (1977). Porto Alegre: L&PM, 2011, p. 298

sábado, 13 de outubro de 2012

Sobre "Os detetives selvagens", de Roberto Bolaño



"...quando você está apaixonado por um livro específico (...) você só terá olhos para ele, seja na sala de espera do urologista, na fila do ônibus ou na arquibancada do Pacaembu.

É o caso de 'Os detetives selvagens', de Roberto Bolaño, com o qual vivo um intenso caso de amor atualmente. Nossa relação começou há um mês mais ou menos, em meados de agosto, numa noite estranha aqui relatada numa crônica anterior, não por acaso intitulada 'Os detetives selvagens'. Como toda a história de amor, minha relação com esse livro começou amena, como dois pugilistas que se observam no primeiro round e agora, passado um mês, estamos engalfinhados como dois lutadores de Ultimate Fighting, desses que sangram juntos e fazem confundir o telespectador, que não sabe se assiste a uma luta ou a um coito."

(Tony Belloto, em sua coluna no blog da Companhia das Letras)


"Li 'Os detetives selvagens' em três dias. Durante esses dias só tive três atividades: comer pizza (lendo), ir ao banheiro (lendo) e dormir um pouco (sonhando que lia). Estava passando por um momento horrível na minha vida e a única coisa que queria fazer era ler Bolaño. Ler com desespero. Ler como se em alguma das 622 páginas do livro estivesse escondida a resposta a meus problemas. Como se ler o livro sem parar fosse um encantamento, uma fórmula mágica. Ou uma oração. E funcionou. Saí do livro mais deprimido, mas com uma fé raivosa na literatura e com minha vocação de escritor fortalecida." 

(Juan Pablo Villalobos, para o blog da Companhia das Letras)

anjo louco


quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let’s play that.

Torquato Neto (1944-1972)

indigência


Lugar em que há decadência.
Em que as casas começam a morrer e são habitadas por
morcegos.
Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas
a dentro.
Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a
dentro.
Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.
Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.
Onde os homens terão a força da indigência.
E as ruínas darão frutos.

Manoel de Barros

adolescência


quando eu tiver setenta anos 
então vai acabar esta minha adolescência 

vou largar da vida louca 
e terminar minha livre docência 

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência

Paulo Leminski (1944-1989)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Los detectives salvajes (II)


Primero: aquí estoy yo, dopado, con los antidepresivos saliéndome hasta por las orejas, recorriendo esta Feria aparentemente tan simpática en donde Hernando García León tiene tantos y tantos lectores y en donde Baca, en las antípodas de García León pero tan beato como él, tiene tantos y tantos lectores y en donde hasta mi viejo amigo Pere Ordóñez tiene algunos lectores y en donde hasta yo, para qué seguir, para qué ir más lejos, tengo también mi cupo de lectores, los reventados, los golpeados, los que tienen en la cabeza pequeñas bombas de litio, ríos de Prozac, lagos de Epaminol, mares muertos de Rohipnol, pozos cegados de Tranquimazín, mis hermanos, los que chupan de mi locura para alimentar su locura.

Roberto Bolaño, Los detectives salvajes. Barcelona: Anagrama, 1998, p. 494-5

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Los detectives salvajes



Cuando Jacinto y yo nos separamos a mí me dio por la poesía. Me puse a leer y a escribir poesía como si eso fuera lo más importante. Antes ya escribía algunos poemitas y creía que leía mucho, pero cuando él se fue me puse a leer y a escribir en serio. El tiempo, que no me sobraba, lo sacaba de donde podía.

Por aquel entonces yo ya había conseguido mi chambita de cajera de un Gigante, gracias que a mi papá habló con un amigo que tenía un amigo que era el encargado del Gigante de la colonia San Rafael. Y María trabajaba de secretaria en una de las oficinas del INBA. Por el día Franz iba a la escuela y me lo iba a buscar una muchachita de quince años que así se ganaba sus pesos y que después me lo llevaba a un parque o lo tenía en casa hasta que yo llegaba del trabajo. Por las noches, después de cenar, María bajaba a mi casa o yo subía y me ponía a leerle los poemas que había escrito aquel día, en el Gigante o mientras se calentava la cena de Franz o la noche anterior, mientras miraba a Franz dormir. La televisión, una mala costumbre que tenía cuando vivía con Jacinto, ya casi sólo la ponía cuando había una noticia bomba y quería enterarme, y ni eso. Lo que hacía, como digo, era sentarme a la mesa, que había cambiado de sitio y ahora estaba junto a la ventana,  y ponerme a leer y a escribir poemas hasta que se me cerraban los ojos de tanto sueño. Llegué a corregir mis poemas hasta diez o quince veces. Cuando veía a Jacinto, se los leía y él me daba su opinión, pero mi lectora de verdad era María. Finalmente pasaba mis poemas a máquina y los guardaba en una carpeta que iba creciendo día tras día, ante mi satisfacción y contento, pues aquello era como la materialización de que mi lucha no era en vano.

Roberto Bolaño, Los detectives salvages (1998), Anagrama, p. 362

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Procuro despir-me do que aprendi

Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar
que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu...

Alberto Caeiro
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Amava seu mundo interior,
caos selvagem,
bosque antiquíssimo e adormecido,
sobre cujo silencioso despertar verde-luz
seu coração se erguia

Rainer Maria Rilke

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