sábado, 30 de julho de 2016

Cardenal

"Eu caminhava, suado e com o cabelo grudado
na cara
quando vi Ernesto Cardenal que vinha
em direção contrária
e à guisa de saudação eu lhe disse:
padre, no Reino dos Céus
que é o comunismo,
tem lugar para os homossexuais?
Sim, ele disse.
E para os masturbadores impenitentes?
Os escravos do sexo?
Os brincalhões do sexo?
Os sado-masoquistas, as putas, os fanáticos
dos inimigos,
os que não podem mais, os que de verdade
já não podem mais?
E Cardenal disse que sim
E ergui os olhos
E as nuvens pareciam
sorrisos de gato levemente róseos
e as árvores que despontavam a colina
(a colina que havemos de subir)
agitavam os galhos.
As árvores selvagens, como se dissessem
um dia, mais cedo do que tarde, há de vir
a meus braços mirrados, a meus braços ossudos,
a meus braços frios. Um frio vegetal
que te arrepiará os cabelos."


Roberto Bolaño (1953-2003). Poesia de Roberto Bolaño. Organizado por Letras in.verso e re.verso, p. 9

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