Há lugares que tememos, lugares com que sonhamos, lugares de que nos
tornamos exilados e só ficamos sabendo disso, às vezes, quando é tarde
demais.
Kit sempre imaginara que de algum modo haveria de voltar
aos montes San Juan. Jamais lhe ocorrera a possibilidade de que seu
destino estivesse ali, de que ali, na Ásia Central, ele haveria de
escalar seus picos mais elevados e enfrentar as neves do deserto,
cavaleiros aborígenes, estalagens à beira-trilha e mulheres totalmente
incompreensíveis, que por algum motivo
eram sempre mais desejáveis no momento em que havia outros assuntos,
muitas vezes de vida ou morte, a ocupá-lo.
Foi só quando viu por fim o lago Baikal que Kit compreendeu por que
fora necessário ir até ali, e por que, no decorrer desse percurso, a
penitência, a loucura e os descaminhos eram inevitáveis. [...]
O
lago tinha um quilômetro e meio de profundidade, segundo lhe dissera
Auberon Halfcourt, e nele viviam criaturas que não existiam em nenhum
outro lugar em toda a Criação. Tentar navegar naquele lago era perigoso e
imprevisível – os ventos surgiam de repente, as ondas transformavam-se
em pequenas montanhas. Uma viagem até ele não era um passeio de férias.
Ele percebia com uma certeza não de todo compreendida que aquele lugar,
tal como o monte Kailash ou o Tengri Khan, era um desses locais que
fazem parte de uma ordem supraterrestre e apenas provisoriamente estão
encerrados nesta nossa ordem, inferior e fracionada."
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 773-774
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