sábado, 30 de julho de 2016

Lago Baikal

Há lugares que tememos, lugares com que sonhamos, lugares de que nos tornamos exilados e só ficamos sabendo disso, às vezes, quando é tarde demais.

Kit sempre imaginara que de algum modo haveria de voltar aos montes San Juan. Jamais lhe ocorrera a possibilidade de que seu destino estivesse ali, de que ali, na Ásia Central, ele haveria de escalar seus picos mais elevados e enfrentar as neves do deserto, cavaleiros aborígenes, estalagens à beira-trilha e mulheres totalmente incompreensíveis, que por algum motivo eram sempre mais desejáveis no momento em que havia outros assuntos, muitas vezes de vida ou morte, a ocupá-lo.

Foi só quando viu por fim o lago Baikal que Kit compreendeu por que fora necessário ir até ali, e por que, no decorrer desse percurso, a penitência, a loucura e os descaminhos eram inevitáveis. [...]

O lago tinha um quilômetro e meio de profundidade, segundo lhe dissera Auberon Halfcourt, e nele viviam criaturas que não existiam em nenhum outro lugar em toda a Criação. Tentar navegar naquele lago era perigoso e imprevisível – os ventos surgiam de repente, as ondas transformavam-se em pequenas montanhas. Uma viagem até ele não era um passeio de férias. Ele percebia com uma certeza não de todo compreendida que aquele lugar, tal como o monte Kailash ou o Tengri Khan, era um desses locais que fazem parte de uma ordem supraterrestre e apenas provisoriamente estão encerrados nesta nossa ordem, inferior e fracionada."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 773-774

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