sábado, 24 de abril de 2010

Lagos profundos

Eu queria ir para o norte da Europa ou para o Canadá explorar lagos misteriosos e profundos com câmeras, sonares e iscas de arenque em gaiolas, para encontrar monstros.

Mas se eu pelo menos me encontrasse, já ficaria satisfeito.

A Pesquisa nas Instituições de Ensino Superior

Trechos de uma entrevista concedida à Revista Veja pelo sociólogo Simon Schwartzman (Editora ABRIL, edição 2059 - ano 41 - n. 18 - 07 de maio de 2008):

Veja - O governo distribui corretamente seus investimentos em pesquisa?

Schwartzman - Esse é outro problema. O governo pulveriza muito os recursos. E os projetos contemplados não conseguem crescer. O CNPq (responsável pelo financiamento de pesquisas universitárias) criou o Instituto do Milênio, cuja idéia inicial era fortalecer alguns centros. Mas isso foi sendo pulverizado. Em vez de concentrar o dinheiro em centros de excelência, a estratégia foi diluir. É um critério democrático, mas com isso você não cria densidade. Dessa forma é impossível dar um salto de qualidade. A atividade científica é cara e concentrada. Não é para qualquer grupo. Hoje, a legislação brasileira exige que todas as universidades façam pesquisa. Isso só estimula uma mimetização. O professor participa de um congresso qualquer ou publica um artigo numa revista que ninguém lê. É algo que tem aparência de pesquisa, mas não produz conhecimento. Fazer pesquisa significa participar de um grupo seleto e muito exigente de pessoas que estão produzindo conhecimento de fronteira. É uma atividade que pouca gente faz. Por isso o investimento deveria ser concentrado, como acontece em países desenvolvidos (p. 15).

Veja - A economia brasileira está vivendo um período notável. A pesquisa acadêmica não tem se beneficiado disso?

Schwartzman - Não o bastante. O Brasil está perdendo o bonde. O volume de investimento em pesquisa tem crescido a uma velocidade bem maior nos países desenvolvidos do que aqui. A distância está aumentando muito. O país não tem capacidade para atrair um investimento de qualidade porque não tem massa crítica. O atual governo fala muito sobre a questão da inclusão. Seu tema principal é o acesso à universidade. Acho isso um equívoco. Você não tem tanta gente para colocar na universidade porque o ensino médio está muito ruim. Essa política dá acesso a gente que não vai conseguir muita coisa. Não acho que o problema da desigualdade social passe pela inclusão na universidade. Seria melhor oferecer uma educação básica de qualidade. A função da universidade é produzir competência, gente bem formada e pesquisa de qualidade. A universidade tem de ter liberdade e estímulo para eleger prioridades. Hoje ela não tem nem uma coisa nem outra. O que devemos discutir é se essa universidade tem bons engenheiros, bons cientistas e se tem capacidade para oferecer serviços. O resto é secundário (p. 15).

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Onde a gente está

Uma música brasileira realmente muito bonita. Mexeu comigo.

Onde a gente está (Lô Borges e Márcio Borges)

Vejo a lua
No fim da estrada
Onde eu vou chegar
Ela clareia
E acompanha
Tudo que a noite traz

Quantas palavras
E madrugadas
Para você dizer
Que vem comigo
Nesta viagem longa
A hora vai passar
E temos que nos conhecer

Tudo acontece
Neste caminho
Por onde a gente vai
Sigo meu rumo
Canto ao redor do fogo

Luzes da alma
Jogam sementes
Nesta canção de amor
Bem cultivadas
Para nascer de novo

Dentro do peito
Abro a janela
Deixo o sol entrar
Nosso lugar
É onde a gente está

OUÇA AQUI

sábado, 17 de abril de 2010

Professores

Era uma vez três professores:

O primeiro chegava à sala atrasado, liberava a turma mais cedo, enrolava as aulas, mas dava nota boa para todo mundo no final (e, detalhe: o aluno podia faltar, que levava presença mesmo assim).

O segundo chegava e liberava a turma na hora certa, mas era um perfeito enrolador, batia papo demais (para ficar amigo dos alunos) e, quando dava aula, era um blá blá blá interminável de informações (cobradas na prova exatamente da forma como eram explicadas); não fazia chamada e, como o primeiro, dava notão para todo mundo.

O terceiro colocava os alunos para pensar, não dava nada mastigado, cobrava reflexão, fazia chamada todos os dias e corrigia as provas com muito rigor (provas difíceis, que cobravam raciocínio, análise), o que geralmente tinha como resultado um número significativo de notas baixas.

Agora vem a pergunta: os alunos normalmente iam à Coordenação para reclamar de qual professor?

quinta-feira, 8 de abril de 2010

On the Road

"Oh, cara! cara! cara!", balbuciou Dean. "E isso não é nem o começo - e agora finalmente estamos juntos indo para o Leste, nunca tínhamos ido para o Leste juntos, Sal, pensa nisso, vamos curtir Denver juntos e ver o que todos estão fazendo, mesmo que isso não nos interesse muito, a questão é que nós sabemos o que AQUILO significa e sacamos a VIDA e sabemos que tudo está ÓTIMO." Depois, me puxando pela manga, e suando horrores, ele me segredou: "Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar em gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão onde pretendem - e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles têm que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas almas realmente não terão paz a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles e eles sabem disso, e isso também os preocupa num círculo vicioso que não tem fim. Escuta só: 'Bem, agora'", imitou ele, "'não sei, talvez devêssemos parar para encher o tanque de gasolina ali naquele posto. Li recentemente no National Petroffious Petroleum News que esse tipo de gasolina tem grande quantidade de O-Octane e alguém já me falou que ela até possui um aditivo semi-oficial de alta potência e quem sabe... bem, não sei se deveríamos, acho que talvez...'. Cara, você também saca tudo isso". (p. 257-58)

(...)

Saímos de Sacramento com o sol raiando e na hora do almoço já estávamos cruzando o deserto de Nevada, depois de uma vertiginosa passagem pelas Sierras que obrigou a bichona e os turistas a se agarrarem uns aos outros no banco de trás. Agora íamos na frente, estávamos no comando. Dean estava feliz outra vez. Tudo o que ele precisava era de uma roda na mão e quatro na estrada. Falava de quão mal Old Bull Lee dirigia e fez umas demonstrações: "Sempre que aparece algum caminhão gigantesco e sobrecarregado como aquele que vem vindo ali, Old Bull leva um tempo interminável para percebê-lo porque não consegue enxergar direito. Ele simplesmente não vê". Apertou furiosamente os olhos para imitar a cara de Old Bull ao volante. "E eu dizia a ele: 'Ei, cuidado Bull, um caminhão'. E ele respondia: 'O quê? O que foi que você disse, Dean?' 'Caminhão, caminhão.' E no último segundo ele jogava o carro contra o caminhão, assim." E Dean se jogou com o Plymouth de encontro ao caminhão que avançava na direção oposta, dançando e rebolando à sua frente por um instante, dando tempo de ver a fúria na cara do caminhoneiro crescendo rapidamente à nossa frente, e o pessoal do banco de trás se encolhendo ofegante, arfando, todos horrorizados, e no último segundo Dean desviou. "Era bem assim, sabe, exatamente assim, oh, como ele dirigia mal." Eu não estava nem um pouco assustado; conhecia Dean. Mas o povo no banco de trás perdeu a voz. Na verdade, tinham medo de reclamar. Sabe-se lá Deus o que o Dean seria capaz de fazer se eles tivessem a audácia de reclamar, pensavam. Ele tocou o pé na tábua cruzando todo o deserto dessa maneira, fazendo várias demonstrações de como não dirigir, de como seu pai guiava seus calhambeques, como os grandes motoristas se lançam rápido demais no começo e acabam derrapando no fim da curva, e assim por diante." (p. 259)

(...)

"Oh, esses caipiras burros, estúpidos, tapados, jamais mudarão, são completa e absolutamente estúpidos. Chega o momento de agir e eles ficam paralisados, histéricos, assustados - nada os amedronta mais do que aquilo que querem (...)." (p. 265)

Jack Kerouac (1922-1969), On the Road (1957); tradução de Eduardo Bueno, Porto Alegre: L&PM, 2009

terça-feira, 6 de abril de 2010

Jack Kerouac

Perambulei catando baganas nas calçadas. Cruzei por um boteco na rua Market e a mulher que estava lá dentro me lançou um olhar terrível enquanto eu passava; era a proprietária, aparentemente ela pensou que eu fosse entrar ali armado de pistola e assaltar o botequim. Caminhei um pouco mais. Subitamente me ocorreu que ela tinha sido minha mãe uns duzentos anos atrás na Inglaterra e eu, seu filho salteador, retornando do cárcere para assombrar seu honesto ganha-pão na taverna. Enregelado pelo êxtase, estanquei na calçada. Olhei para a rua. Não conseguia saber se era mesmo a Market ou a rua do Canal em Nova Orleans; afinal ela ia dar na água, água ambígua e universal, exatamente como a rua 42 em Nova York, que também leva em direção à água, de modo que você nunca sabe bem onde está. Pensei no fantasma de Ed Dunkel se arrastando pela Times Square. Eu delirava. Quis voltar e dar uma espiada na minha estranha mãe dickensiana no boteco. Eu tremia da cabeça aos pés. Era como se um pelotão inteiro de memórias me conduzisse de volta a 1750, na Inglaterra, só que agora eu estava em São Francisco, em outra vida, noutro corpo. "Não", parecia gritar aquela mulher, com seu olhar aterrorizado, "não volte para atormentar sua mãe honesta e trabalhadora. Você já não é mais meu filho, assim como seu pai, meu primeiro marido. Aqui, esse grego generoso se apiedou de mim" (o proprietário era um grego de braços peludos). "Você é mau, com tendências à baderna e à bebedeira e, o que é pior, ao roubo infame dos frutos do meu humilde trabalho nesta taverna. Oh, filho! Você jamais se ajoelhou e rezou pela remissão de todos os seus pecados e más ações? Pobre menino! Suma daqui! Não amedronte mais meu espírito; eu fiz bem em te esquecer. Não reabra velhas feridas; que seja como você nunca tivesse voltado e me encarado - jamais houvesse visto minha humilde labuta, meus parcos centavos penosamente batalhados - os quais está sempre ávido para agarrar, sempre pronto para roubar, oh, desalmado, maldoso e sombrio filho da minha própria carne. Meu filho! Meu filho!" (...) E por um instante alcancei o estágio do êxtase que sempre quis atingir, que é a passagem completa através do tempo cronológico num mergulhar em direção às sombras intemporais, e iluminação na completa desolação do reino mortal e a sensação de morte mordiscando meus calcanhares e me impelindo para frente como um fantasma perseguindo seus próprios calcanhares, e eu mesmo correndo em busca de uma tábua de salvação de onde todos os anjos alçaram vôo em direção ao vácuo sagrado do vazio primordial, o fulgor potente e inconcebível reluzindo na radiante Essência da Mente, incontáveis terras-lótus desabrochando na mágica tepidez do céu. Eu podia ouvir um farfalhar indescritível que não estava apenas nos meus ouvidos, mas em todos os lugares, e não tinha nada a ver com sons. Percebi ter morrido e renascido incontáveis vezes, mas simplesmente não me lembrava justamente porque as transições da vida para a morte e de volta à vida são tão fantasmagoricamente fáceis, uma ação mágica para o nada, como adormecer e despertar um milhão de vezes na profunda ignorância, e em completa naturalidade. Compreendi que somente devido à estabilidade da Mente essencial é que essas ondulações de nascimento e morte aconteciam, como se fosse a ação do vento sobre uma lâmina de água pura e serena como um espelho. Senti uma satisfação suave, serpenteante como um tremendo pico de heroína numa veia principal; como aquele gole de vinho que te traz um arrepio de satisfação num fim de tarde; meus pés se arrepiaram. Pensei que ia morrer naquele exato instante. Mas não morri e caminhei uns sete quilômetros, catei dez longas baganas e as levei para o quarto de Marylou no hotel e derramei os restos de tabaco no meu velho cachimbo e o acendi (p. 215-17).

Jack Kerouac (1922-1969), On the Road (1957), trad. Eduardo Bueno, Porto Alegre: L&PM, 2009

segunda-feira, 5 de abril de 2010

George Michael e companhia

Eu tento (eu juro que eu tento!) mas não consigo gostar de música brasileira. MPB é pura depressão (e para quem tem tendência ao suicídio, é um perigo). O resto, com raras exceções, é porcaria, lixo comercial, mais nada.

Agora, os americanos, vamos respeitar, são mestres em fazer porcaria. São merdas dançantes, bem feitas, muito boas mesmo! Olha esta aqui, do George Michael: It's Amazing!

Os ingleses também não ficam atrás. Dê uma olhada nesta aqui, de uma bandinha inglesa de quinta categoria: Chain Reaction

E agora, de volta aos EUA, a mesma música na versão gay de Diana Ross: Chain Reaction

A gente não tem que tirar o chapéu para esse povo?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

On the Road

Aquela noite em Harrisburg tive de dormir num banco da estação ferroviária; ao amanhecer os bilheteiros me enxotaram. Não é verdade que você começa a vida como uma criancinha crédula sob a proteção paterna? E então chega o dia da indiferença, em que o cara descobre que é um desgraçado, um miserável, fraco, cego e nu, e com a aparência de um fantasma fatigado e fatídico avança trêmulo por uma vida de pesadelo. Me arrastei para fora da estação, desfigurado. Estava fora de mim. Daquela manhã tudo o que eu podia perceber era sua própria palidez, como a palidez de um túmulo. Eu estava morto de fome, tudo que me restava em termos calóricos eram as últimas pastilhas para a garganta que eu tinha comprado meses atrás em Shelton, Nebraska; chupei-as por causa do açúcar. Eu não sabia esmolar. Arrastei-me para fora da cidade com uma força que mal me permitiu chegar aos seus limites. Sabia que seria preso se passasse mais uma noite em Harrisburg (p. 139).

(...)

De repente, lá estava eu na Times Square. Tinha viajado doze mil quilômetros pelo continente americano e estava de volta à Times Square; e ainda por cima bem na hora do rush, observando com os meus inocentes olhos de estradeiro a loucura completa e o zunido fantástico de Nova York com seus milhões e milhões de habitantes atropelando uns aos outros sem cessar em troca de uns tostões, um sonho maluco - pegando, agarrando, entregando, suspirando, morrendo, e assim poderiam ser enterrados naquelas horrendas cidades-cemitério que ficam além de Long Island (p. 139-40).

(...)

Certa vez, Carlo Marx e eu nos sentamos frente a frente em duas cadeiras, joelho contra joelho, e eu lhe contei um sonho que tivera, com uma estranha figura árabe que me perseguia através do deserto; uma figura da qual eu tentava escapar mas que finalmente me alcançava pouco antes de chegar à Cidade Protetora. "Quem era"?, perguntou Carlo. Refletimos. Sugeri que talvez fosse eu mesmo vestindo um manto. Não era isso. Algo, alguém, algum espírito nos perseguia, a todos nós, através do deserto da vida, e estava determinado a nos apanhar antes que alcançássemos o paraíso. Naturalmente, agora que reflito sobre isso, trata-se apenas da morte: a morte vai nos surpreender antes do paraíso. A única coisa pela qual ansiamos em nossos dias de vida, e que nos faz gemer e suspirar e nos submetermos a todos os tipos de náuseas singelas, é a lembrança de uma alegria perdida que provavelmente foi experimentada no útero e que somente poderá ser reproduzida (apesar de odiarmos admitir isso) na morte (p. 159).

Jack Kerouac, On the Road - Pé na Estrada, Porto Alegre: L&PM, 2009 (Primeira edição em inglês: 1957)