domingo, 27 de abril de 2008

Você sabe com quem está falando?

"Quantos guardas de trânsito, quantos policiais, quantos fiscais, quantos funcionários de repartição pública, quantos empregados de hotéis, lojas, aeroportos, cinemas, quantos cidadãos comuns, já não ouviram esta frase dita por quem se considera socialmente superior pela riqueza, pelo poder, pela educação, pelo status, pela cor da pele, pelos laços familiares, ou por simples presunção e arrogância? Com o ‘você sabe’ o superior tenta impor sua vontade reafirmando a hierarquia social à margem e por cima da lei. Ele está fora e à margem da lei, mas está acima dela. É sintomático da cultura da desigualdade que ele não seja considerado marginal como os que estão por fora e à margem da lei, mas por baixo dela. O marginal de cima é ‘doutor’, o marginal de baixo é bandido. Entre os dois marginais, labuta a multidão dos sofridos cidadãos sujeitos aos rigores da lei. No caso do ‘você sabe’, se o inferior atrevido insiste na aplicação da lei, pode ser punido por desacato à autoridade".

José Murilo de Carvalho - Pontos e Bordados (Editora UFMG)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Lacuna

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá, um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo."

Dom Casmurro (Machado de Assis)

Resíduo

Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo

no queixo de tua filha.

De teu áspero silêncio

um pouco ficou, um pouco

nos muros zangados,

nas folhas, mudas, que sobem.

Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,

retrato.

(...) E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa

o insuportável mau cheiro da memória.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Robinson Crusoe

“...I went to work, and with the carpenter’s saw I cut a spare topmast into three lenghts and added them to my raft, with a great deal of labour and pains; but the hope of furnishing myself with necessaries encouraged me to go beyond what I should have been able to have done upon another occasion.”

Las Madres de la Plaza de Mayo

Aujourd’hui je suis allé voir Las Madres de la Plaza de Mayo, qui sont venues à BH invitées par le groupe Tortura nunca mais, duquel fait partie ma collègue Heloísa Greco. Il faut avouer que j’ai presque pleuré en écoutant ces mères, qui depuis plus de 20 ans luttent pour savoir ce qui s’est passé avec leurs fils disparus, certainement morts par le régime militaire. En Argentine, elles ont fondé une organisation dont le symbole est le pañuelo qu’elles mettent à la tête. Aujourd’hui, ces braves mères luttent pour la justice sociale, pour les droits de l’homme, pour une vie plus digne à tous les pauvres du monde. Elles ont décidé de prendre les valeurs pour lesquels luttaient leurs fils comme leurs valeurs à elles, et elles voyagent partout pour essayer de montrer aux jeunes d’aujourd’hui que la lutte n’est pas encore finie.
Belo Horizonte, le 31 août, 1999