segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Le Comte de Monte-Cristo


Comme ces aventureux capitaines qui s'embarquent pour un dangereux voyage, qui méditent une périlleuse expédition, je préparais les vivres, je chargeais les armes, j'amassais les moyens d'attaque et de défense, habituant mon corps aux exercices les plus violents, mon âme aux chocs les plus rudes, instruisant mon bras à tuer, mes yeux à voir souffrir, ma bouche à sourire aux aspects les plus terribles; de bon, de confiant, d'oublieux que j'étais, je me suis fait vindicatif, dissimulé, méchant, ou plutôt impassible comme la sourde et aveugle fatalité. Alors, je me suis lancé dans la voie qui m'était ouverte, j'ai franchi l'espace, j'ai touché au but: malheur à ceux que j'ai recontrés sur mon chemin! (p. 710)

(...)

Il n'y a ni bonheur ni malheur en ce monde, il y a la comparaison d'un état à un autre, voilà tout. Celui-là seul qui a éprouvé l'extrême infortune est apte à ressentir l'extrême félicité. Il faut avoir voulu mourir, Maximilien, pour savoir combien il est bon de vivre. (p. 772)

Alexandre Dumas. Le Comte de Monte-Cristo. Tome II. Classiques de Poche

Sou de poucos amigos


"Sou de poucos amigos
Grandes partidas
Partes rompidas
Sou de não falar demais
Despedidas no cais
Sou cor lilás
Sou feita de névoas
Nódulos e néctares
Sou de aparecer de repente
De repetir sentimentos
Forçar certos momentos
Sou do tamanho de mim
Molécula carmim
Malévola no fim."

Paula Taitelbaum. Ménage à trois

Feliz Natal


"agora vejamos
quem está na minha lista para o Natal:
tem as três garotas furiosas
que me disseram para nunca mais
ligar de novo
e tem o cara do
Jiffy-Lube que disse que não tinha
tempo de trocar o óleo do meu carro
ontem
e tem aquele cara negro
do posto do pedágio
que levou pro lado pessoal
quando eu estava apenas brincando.
tem o cara que me vendeu
esta casa
que fez ele mesmo o encanamento
e fiação.
tem o machão que ganhou
8 milhões para lutar com o campeão
e desistiu porque disse
que tinha cólicas estomacais.
e tem o jóquei
do outro dia
que não aguentaria
a abertura da grade
quando eu tinha apostado nele 20 pila como vencedor,
e 20 como placê,
e daí todas as pessoas
que virão no dia de Natal ou
na véspera
ou no dia seguinte
porque é a temporada.
e daí também tem todos os vizinhos
que não vão falar comigo
porque me ouviram outra
noite
quando eu corria pelo jardim em frente da casa
bêbado e pelado praguejando,
atirando pedras.
e daí tem todos os balconistas
nos caixas em todo lugar
que parecem com estátuas de plástico
enquanto eu espero em suas longas filas
tentando reter um
movimento intestinal.

e daí, meu amigo, tem
você"

Charles Bukowski (1920-1994)

minha sujeira


"uma namorada chegou
me construiu uma cama
esfregou e encerou o chão da cozinha
esfregou as paredes
aspirou o pó
limpou a privada
a banheira
esfregou o chão do banheiro
e cortou minhas unhas e
meus cabelos.

então
naquele mesmo dia
o encanador veio e consertou a torneira da cozinha
e a privada
e o homem do gás consertou o aquecedor
e o homem do telefone, o telefone.
agora me sento aqui em meio a tanta perfeição.
tudo está tranquilo.
rompi com minhas 3 namoradas.

me sinto melhor quando tudo está
bagunçado.
vai levar alguns meses até que as coisas voltem ao
normal:
não consigo encontrar sequer uma barata para viver em comunhão.

perdi meu ritmo.
não consigo dormir.
não consigo comer.

roubaram-me
minha sujeira."

Charles Bukowski (1920-1994)

domingo, 23 de dezembro de 2012

Dr. Watson and Mr. Sherlock Homes



I knew that seclusion and solitude were very necessary for my friend in those hours of intense mental concentration during which he weighed every particle of evidence, constructed alternative theories, balanced one against the other, and made up his mind as to which points were essential and which immaterial. I therefore spent the day at my club and did not return to Baker Street until evening. It was nearly nine o'clock when I found myself in the sitting-room once more.

My first impression as I opened the door was that a fire had broken out, for the room was so filled with smoke that the light of the lamp upon the table was blurred by it. As I entered, however, my fears were set at rest, for it was the acrid fumes of strong coarse tobacco which took me by the throat and set me coughing. Through the haze I had a vague vision of Holmes in his dressing-gown coiled up in an armchair with his black clay pipe between his lips. Several rolls of paper lay around him. 

"Caught cold, Watson?" said he.

"No, it's this poisonous atmosphere."

"I suppose it is pretty thick, now that you mention it."

"Thick! It is intolerable."

"Open the window, then! You have been at your club all day, I perceive."

"My dear Holmes!"

"Am I right?"

"Certainly, but how---------?"

He laughed at my bewildered expression.

Arthur Conan Doyle. The Hound of the Baskervilles (1902). Dover Publications, 1994. p. 18

The art of losing


"The art of losing isn't hard to master;

so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

—Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster."

Elizabeth Bishop (1911-1979)

From 'The Complete Poems - 1927-1979', by Elizabeth Bishop, published by Farrar, Straus & Giroux

“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.

Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério. ”

Elizabeth Bishop (1911-1979)

Tradução de Paulo Henriques Britto

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

a man silent at the window


"this fear of being what they are:
dead. 

at least they are not out on the street, they
are careful to stay indoors, those
pasty mad who sit alone before their tv sets,
their lives full of canned, mutilated laughter.

their ideal neighborhood
of parked cars
of little green lawns
of little homes
the little doors that open and close
as their relatives visit
throughout the holidays
the doors closing
behind the dying who die so slowly
behind the dead who are still alive
in your quiet average neighborhood
of winding streets
of agony
of confusion
of horror
of fear
of ignorance.

a dog standing behind a fence.

a man silent at the window."

Charles Bukowski (1920-1994)

sábado, 15 de dezembro de 2012

Barba ensopada de sangue


Tu fez muitos amigos aqui?

Alguns.

Achei que tu tava meio ermitão.

A vida aqui é normal.

Normal pra ti. Eu sinceramente não entendo por que tu precisa viver enfiado num lugar abandonado desses no meio do inverno enquanto podia estar em Porto Alegre ou até em São Paulo como o teu irmão. Eu acho que tu só tá chateado com a morte do teu pai e vai acabar voltando. Mas tu que sabe da tua vida, claro. Tu é adulto. Sei que tu gosta de ficar sozinho, desde pequenininho tu era desse jeito e sempre respeitei, mas com essa falta de vontade de fazer alguma coisa que preste da tua vida eu nunca concordei não. Vai ficar aqui dando aula de natação pruns gatos-pingados até quando? Sozinho com aquela cachorra nojenta. Ela vai morrer logo. Isso aqui não é lugar pra constituir uma vida. Nunca deixei de achar que essa tua falta de iniciativa é culpa do teu pai, ele que sempre me dizia pra te deixar em paz. Passava a mão na tua cabeça. Deixa o guri estudar educação física. Deixa o guri pedalar e nadar, é o que ele gosta. Tu herdou o pior do teu pai, que não era a garrafa nem os charutos nem a falta de respeito que tinha comigo, mas sim essa noção absurda de que vocês poderiam viver no meio do mato como se vivia mil anos atrás e que só por acaso nasceram no século vinte e um e vivem numa grande cidade onde se podem realizar coisas, criar coisas, ganhar dinheiro, viajar pelo mundo –

Eu nasci no século vinte. O pai também.

– e estudar coisas fascinantes e viver uma vida moderna, interessante, cheia de cultura e aproveitar isso pra ter uma família própria que também vai poder se beneficiar disso tudo e assim por diante. Esse tipo de coisa que os antepassados da gente acham que a gente vai fazer, sabe? Ele não me deixava cobrar isso de ti na tua adolescência e agora tu pensa que deixar a barba crescer numa quitinete de veraneio alugada, mofada e com cheiro de peixe ganhando o suficiente pra pagar a conta de luz é uma vida boa o bastante. Não é como eu vejo. Uma hora tu vai querer casar, vai querer fazer uma casa pra ti. Essa tua namorada nova é de Porto Alegre, não é? Ela quer passar o resto da vida aqui? Duvido que queira. Pretende ficar com ela? Pensa em casar com ela algum dia? Pretende ter filhos? Eles vão ter acesso a uma escola decente neste lugar? Tu me disse que ela é uma guria culta, tá fazendo mestrado. Deve ser uma pessoa com ambição. Eu já vi esse filme antes. Esse filme já passou e tu te dá mal nele.

Daniel Galera. Barba ensopada de sangue. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 282-283

domingo, 9 de dezembro de 2012

ando assim

"ando assim
tipo um erro flácido ambulante
sem êxito, hesitante
disco riscado
fora de catálogo
no pó do instante
ando assim oco, uma crosta
vodu cansado que com a sorte
nem mais dialoga - diamante
ando assim sem linguagem
sem faro, espantalho fora de foco
ando assim
mais opaco que olímpico
esquivo, íntimo, insípido
um mastodonte pensando
desamparado
aspirando a paralelepípedo
ando assim meio buster keaton
um tanto de lágrima hasteando o riso
ando assim raso
indiferente
me divertindo um bocado
eu ando mijando no poste
porque o banheiro
está sempre lotado"

Marcelo Montenegro (1971-)

Fonte: Germina Literatura

Fernando Pessoa


"Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância 
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração."

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"Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e ervas..."

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"A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou."

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"Vim para aqui repousar,
Mas esqueci-me de me deixar lá em casa,
Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir."

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"Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão."

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"Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses."

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"Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada."

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"Aceito as dificuldades da vida porque são o destino,
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno -
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita,
E encontra uma alegria no fato de aceitar -
No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável."

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"Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."

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"Esta espécie de loucura
Que é pouco chamar talento
E que brilha em mim, na escura
Confusão do pensamento,

Não me traz felicidade;
Porque, enfim, sempre haverá
Sol ou sombra na cidade.
Mas em mim não sei o que há."


Fernando Pessoa (1888-1935). Obra poética. Volume único. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1977