"Lew tinha a impressão de que cada cabana, cada galpão, cada taberna e
casa de fazenda que ele via dali continha histórias que nada tinham de
pacíficas – cavalos belíssimos enlouquecidos, retorcendo-se como cobras e
arrancando de seus cavaleiros nacos de carne que nunca mais seriam
recuperados, esposas servindo aos maridos iguarias preparadas com
cogumelos capazes de enegrecer uma moeda de prata, fazendeiros matando
pastores por conta de uma olhadela de esguelha, menininhas muito
quietinhas da noite para o dia transformadas em enlouquecidas e
escandalosas noivas da multidão, obrigando os homens de sua família a
tomar medidas que nem sempre contribuíam para a tranquilidade pública,
e, como base do contrato com seu destino, a terra continha os espíritos
para sempre inquietos das gerações de utes, apaches, anasazis, navajos,
chirakawas, ignoradas, traídas, estupradas, roubadas e assassinadas,
prestando testemunho na velocidade do vento, saturando a luz,
sussurrando sobre os rostos e penetrando os pulmões dos invasores
brancos numa música tão monótona quanto a das cigarras, tão implacável
quanto uma sepultura assinalada ou perdida."
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 178
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