domingo, 3 de julho de 2016

Loucura

"Lew tinha a impressão de que cada cabana, cada galpão, cada taberna e casa de fazenda que ele via dali continha histórias que nada tinham de pacíficas – cavalos belíssimos enlouquecidos, retorcendo-se como cobras e arrancando de seus cavaleiros nacos de carne que nunca mais seriam recuperados, esposas servindo aos maridos iguarias preparadas com cogumelos capazes de enegrecer uma moeda de prata, fazendeiros matando pastores por conta de uma olhadela de esguelha, menininhas muito quietinhas da noite para o dia transformadas em enlouquecidas e escandalosas noivas da multidão, obrigando os homens de sua família a tomar medidas que nem sempre contribuíam para a tranquilidade pública, e, como base do contrato com seu destino, a terra continha os espíritos para sempre inquietos das gerações de utes, apaches, anasazis, navajos, chirakawas, ignoradas, traídas, estupradas, roubadas e assassinadas, prestando testemunho na velocidade do vento, saturando a luz, sussurrando sobre os rostos e penetrando os pulmões dos invasores brancos numa música tão monótona quanto a das cigarras, tão implacável quanto uma sepultura assinalada ou perdida."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 178

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