quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Clarice

"Só outra coisa eu conheci tão total e cega e forte como esta minha vontade de me espojar na violência: a doçura da compaixão. Só isto ainda posso tentar pôr no outro prato da balança – pois no primeiro prato está o sangue e o ódio ao sangue que dói."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 594

Fui fechando as doçuras de minha natureza a cada golpe que recebia e as doçuras negadas foram se enegrecendo como nuvens simples que vão se fechando em escuridão e eu abaixo a cabeça à tempestade."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 595

"Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: 'Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!'."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 354

"Será que vou ter que viver a vida inteira à espera de que o domingo passe? E ela, a faxineira, que mora na Raiz da Serra e acorda às quatro da madrugada para começar o trabalho da manhã na Zona Sul, de onde volta tarde para a Raiz da Serra, a tempo de dormir para acordar às quatro da manhã e começar o trabalho na Zona Sul, de onde – Eu vou te dar o meu segredo mortal: viver não é uma arte."

Clarice Lispector (1920-1977). A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 353

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