segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Vulcão

O rapaz tinha pouco mais de vinte anos. A mulher acabava de passar dos trinta, mas com o frescor e a sensualidade dos vinte, apesar da experiência de um casamento mal-sucedido com um empresário do ramo de transportes.

Para o rapaz, aquele era o namoro ideal. Ela tinha recebido a metade dos bens do casal, que eram a casa em que morava com a filha de cinco anos, e seis caminhões, mantidos sempre na estrada, o que lhe garantia uma boa renda. Ela pagava as contas nos restaurantes, bares, danceterias e motéis; era no carro dela que os dois saíam todo final de semana, enquanto a filha ficava com o pai, com a ex-sogra ou com a babá; ela tinha um corpo maravilhoso e fazia sexo melhor que qualquer outra menina com quem ele já tinha saído. Estava no paraíso.

Um dia, porém, o rapaz percebeu que o ex-marido de sua namorada o perseguia. No início pensou que fosse apenas uma sucessão de coincidências; mas logo viu que aquele tipo robusto de trinta e poucos anos o encarava demais, sempre com ar ameaçador, toda vez que se sentava em uma mesa próxima à deles nos restaurantes, ou cruzava com os dois na porta de uma danceteria. Achava aquilo estranho. Às vezes o homem estava sozinho; outras vezes, via-o acompanhado de mocinhas recém-saídas da adolescência, muito bonitas e bem vestidas; mas para o rapaz não havia a menor dúvida: o alvo principal das atenções do empresário, enquanto se divertia com as meninas, era ele.

Em uma noite quente de verão, quando estava na casa da namorada esperando-a terminar de se arrumar para saírem, o rapaz resolveu quebrar o silêncio e confessar a ela os seus temores. “E se ele me matar?”, gritou desesperado, enquanto a mulher secava os cabelos ouvindo uma velha coletânea de músicas sertanejas no banheiro da suíte. “Não se preocupe”, disse ela sorrindo. “Meu ex-marido é um doce”.

O rapaz ficou sem entender, mas não protestou nem exigiu explicação. Ficou parado na porta, vendo-a desligar o secador, aumentar o volume do som, segurá-lo pela gola da camisa e puxá-lo de encontro ao seu corpo nu. “Vamos para a cama”, disse ela, empurrando-o em direção ao quarto.

Ao entrar no aposento, feliz com a perspectiva de uma transa rápida antes de sair, o rapaz tremeu dos pés à cabeça ao ver que os dois não estavam sozinhos. Com as costas apoiadas na porta fechada, descalço, sem camisa e usando uma calça jeans surrada, lá estava ele: o ex-marido da namorada.

Porém, o pânico do rapaz durou apenas alguns segundos, pois ao encarar o homem nos olhos, percebeu imediatamente que ele não queria matar ninguém. Viu também que a mulher estava tranqüila, mas com um brilho diferente no olhar, o que parecia indicar uma excitação fora do comum.

Em poucos segundos, o rapaz entendeu o que estava acontecendo. Nunca havia experimentado aquilo antes, mas resolveu se entregar.

Enquanto o ex-marido se aproximava lentamente e a mulher empurrava o corpo submisso do rapaz pelo quarto, em direção à cama, uma forte chuva desabava sobre a cidade, em meio a raios e trovões assustadores.

Durante o resto da sua vida, casado com outra mulher e vivendo na capital, o marido exemplar que aquele rapaz havia se tornado, ao se lembrar daquela noite de loucuras, era sempre tomado pela imagem de um vulcão expelindo lavas incandescentes. No seu leito de morte, cercado pelas atenções da esposa e dos filhos, ele ainda sentia um forte calor a lhe percorrer a espinha toda vez que se lembrava daquele casal de desejos insaciáveis. Sempre que lhe vinham à mente as cenas daquela inesquecível experiência de juventude, ele sussurrava para as paredes, como que procurando algo que sustentasse o peso da sua culpa: “Perdão meu Pai, perdão”.

Flávio Marcus da Silva

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