terça-feira, 28 de julho de 2009

Sexta-feira

O velho advogado entrou no elevador junto com o jovem casal de namorados. Estava eufórico. Casado há mais de trinta anos com a mesma mulher, raramente ele encontrava uma oportunidade para satisfazer o mais secreto dos seus prazeres. Parecia um adolescente se preparando para um encontro às escuras com a primeira paquera da sua vida. Trazia na mão direita uma sacola contendo uma garrafa de vinho tinto, um pacote de macarrão e dois pedaços de torta de chocolate da confeitaria mais sofisticada da cidade.

Observando o jovem casal, o velho percebeu que não teria tempo de preparar seu jantar. Sem muito esforço, notou que as auréolas dos seios da moça já se encontravam dilatadas e que seus mamilos já se destacavam sob o fino tecido da camisa. Tanto o rapaz quanto a moça tinham a respiração ofegante e pareciam não estar mais em condições de suportar a espera. “Ah, se eu não estivesse aqui...”, pensou o velho, sorrindo para si mesmo. O rapaz se mexia, inquieto, claramente tentando encontrar um pouco mais de espaço para o pênis duro dentro da calça, enquanto olhava ansioso para as luzes do elevador que piscavam lentamente: 6, 7, 8, 9...

Era sexta-feira à noite. Nesse dia, como há muito não acontecia, a esposa do velho tinha ido para o sítio com as três filhas casadas, e não se importou que ele ficasse em casa sozinho, curtindo um final de semana completamente livre delas.

O inquieto rapaz do elevador era filho único dos vizinhos de baixo, e sempre aproveitava as sextas-feiras em que os pais viajavam para levar a namorada para o apartamento.

Nessas ocasiões, quando voltava do escritório enfiado num terno preto bem cortado e caro, o velho advogado suspirava de prazer e tristeza quando via os dois entrarem apressados no luxuoso condomínio em que moravam, trazendo estampados em seus rostos juvenis a virilidade e o desejo de uma fase da vida que ele, velho e decrépito, jamais viveria de novo. “O que me dá pena”, pensou ele, numa dessas tardes, “é que são tão estúpidos e não sabem nada sobre as dores do mundo”. Mas ao se lembrar do notável livro de Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray, lido no original quando ainda era um jovem estudante de Direito, concluiu, resignado: “Mas antes estúpido do que velho e acabado”.

Nas tristes noites de sexta-feira, ao entrar no seu apartamento, o velho era sempre recebido com frieza pela esposa, que nem se levantava da cama para cumprimentá-lo, entretida com um dos vários filmes que ela alugava para preencher o final de semana e se esquecer da vida miserável que levava. Sem tirar os olhos da TV, ela fazia breves comentários sobre os assuntos de sempre: a cirurgia plástica que ela pretendia fazer; a viagem da neta à Europa que ele ia pagar; o empréstimo para o genro montar mais um negócio, “que dessa vez vai dar certo”; a aposentadoria dele; a escolha da "casa de repouso" (ou "morredouro de luxo", como ele costumava dizer) onde os dois passariam o fim da vida; a necessidade dele procurar um médico para resolver o problema dos gases, etc.

Mas naquela sexta-feira seria diferente. Entrou correndo no apartamento, colocou a sacola com o jantar encima da mesa da cozinha e voou para o quarto do casal, onde rapidamente tirou a camisa, os sapatos, a calça e a cueca. Da janela do quarto ele tinha uma visão privilegiada do interior do apartamento dos vizinhos de baixo, em especial da sala, onde os jovens geralmente começavam, e da cozinha, onde sempre terminavam. O velho sabia disso, pois algumas vezes, enquanto a esposa assistia a seus filmes, ele dava umas espiadas discretas pela janela e se deliciava com alguns flashes da cena.

Mas naquela sexta-feira a esposa estava longe, e ele poderia curtir tudo à vontade, inteiramente nu.

Abriu uma fresta da enorme veneziana do quarto, introduziu nela os dois canos do seu pequeno binóculo Sakura com zoom (já com os olhos pregados neles) e focalizou a cena que se desenrolava no andar de baixo. Ao ver o casal se acariciando sobre o tapete da sala - seus corpos procurando freneticamente o melhor jeito de se engatarem, num entrelaçamento lúbrico, de puro desejo -, o velho sentiu uma excitação que não experimentava há mais de trinta anos. Foi tão forte o prazer que ele quase não agüentou esperar.

Os jovens se entregavam a novas sensações, coisas que o velho nunca tinha visto. Com a mão esquerda ele segurou com força o binóculo e acompanhou os dois até a cozinha. Gritos de prazer. Movimentos de lábios que indicavam sussurros sem sentido, palavrões, indecências. A energia do ato ultrapassava todos os espaços e chegava ao velho como um furacão descontrolado destruindo tudo ao seu redor. “Comparada a isso”, pensava ele, “minha vida sexual foi um deserto”.

Não agüentou mais. Gemeu, tremeu, contorceu-se todo e desabou sobre a cama. Nos primeiros minutos após o êxtase, estava feliz. Mas quando se deu conta, pela primeira vez, do quão triste e patético era tudo aquilo, sentiu uma angústia tão desesperadora, que agarrou o travesseiro com força, encolhendo-se o máximo que suas articulações enferrujadas permitiam, e gritou (um grito de dor, de tristeza, de abandono). Parecia um tatu selvagem cercado por cães, antes de receber no coração o primeiro golpe da lâmina do caçador.

Minutos depois, levantou-se lentamente, cambaleando. Foi até a cozinha e preparou o jantar. Sentou-se no sofá, ligou a TV no canal alemão (língua que dominava, além do francês, inglês, espanhol e italiano) e chorou como uma criança, sozinho, enquanto comia (sem vontade) um maravilhoso macarrão com frutos do mar, e bebia (sem prazer) pequenos goles de um excelente e caríssimo vinho francês.

Flávio Marcus da Silva

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