quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Perfume

Diante de um enorme espelho retangular (com moldura esculpida em granito Blue Pearl importado), no banheiro de um luxuoso Shopping da capital, o jovem estudante de Direito levou as duas mãos à cabeça e, com movimentos rápidos, ajeitou sua vasta e bem cuidada cabeleira. Em seguida abriu um sorriso perfeito de rapaz sedutor e observou, com orgulho, seus impecáveis dentes brancos (trinta e duas estruturas bem alinhadas que nunca tinham entrado em contato com café, Coca-Cola ou nicotina).

Enquanto se admirava no espelho, ouviu um empregado da limpeza dizer para o seu colega: “Quando eu tiver dinheiro, eu quero abrir um negocinho para trabalhar para mim mesmo, sabe?”. O outro respondeu com um grunhido zombeteiro que, mesmo abafado pelo irritante barulho da escova no vaso sanitário, parecia querer dizer em alto e bom som: “Vai sonhando, meu amigo, vai sonhando”.

O jovem estudante terminou de se ajeitar e sem qualquer preocupação com os destinos daqueles dois pobres miseráveis saiu do banheiro para se encontrar com duas colegas de faculdade em frente a uma loja de CDs importados, de onde partiriam para mais uma corrida na praça.

Todos os dias os três se encontravam ali e subiam a avenida em direção à bela praça centenária, onde, no início de cada noite, homens e mulheres de várias idades, sobretudo jovens preocupados com a beleza e velhos tentando evitar a decadência do corpo, reuniam-se para dar voltas e mais voltas ao redor de seus lindos jardins e fontes.

Na subida da avenida, o assunto dos três estudantes naquele início de noite era um professor recém contratado que, com medo de ser rejeitado pela turma, preparava as aulas com tanto esmero e organização, que ninguém saía da sala com dúvida. “Eu não gosto dele”, disse o jovem com voz firme. “Prefiro os professores anárquicos", continuou, "que deixam os pensamentos e reflexões fluírem livremente, conduzindo as discussões de maneira mais solta, sem muita ordem... Aquele cara é muito certinho”. As duas colegas concordaram. “Ele é ridículo”, disse uma delas, encostando de leve a coxa esquerda na perna do rapaz e pensando em como seria maravilhoso levá-lo para um motel naquela noite, depois da corrida. A outra comentou, tentando impressioná-lo: “Ontem eu fiquei a tarde inteira lendo o Tratado de Direito Penal do Martins e percebi que ele tira todas as aulas dali. É a mesma coisa! Não tem nada de original, nenhuma reflexão crítica que seja dele! Mas a turma baba no cara, só porque ele domina o conteúdo, fala bem e faz aquele teatro todo para parecer interessante e amigo de todos".

Chegaram à praça e começaram a correr. Era sexta-feira. No dia seguinte, pela manhã, o jovem estudante teria quatro aulas de inglês e logo depois pegaria a estrada em direção à sua cidade natal, onde moravam seus pais: um rico empresário, dono de uma rede de escolas de Ensino Fundamental e Médio, e uma bem sucedida advogada, especialista em Direito Tributário.

Todo sábado era a mesma coisa: depois de uma hora e meia de viagem, ele chegava em casa por volta de duas da tarde, almoçava, estudava um pouco, tomava um banho, jantava, e à noite saía com os amigos para dançar e ficar com as meninas bem nascidas do lugar.

O final de semana terminou para o jovem estudante quando, voltando para a capital no domingo à noite, com um enorme livro de Direito Penal jogado no banco de trás do seu carro e o porta-malas cheio de comida e roupas limpas, ele ouviu o som de uma buzina e sentiu um misterioso perfume de rosas no ar.

Depois disso não sentiu mais nada.

Flávio Marcus da Silva

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