sábado, 22 de agosto de 2009

Outras atividades

Antes de completar trinta e cinco anos, o professor de química mais dedicado e talentoso de que se tinha notícia na cidade abandonou a sala de aula e comprou uma perua adaptada para vender lanches, com a qual passou a ganhar o triplo do que recebia como professor, com a vantagem extra de não ter que preparar aulas nem corrigir trabalhos e provas nos finais de semana.

Todas as manhãs ele parava a perua em frente à entrada de um abatedouro de frangos e vendia café com leite e pão com ovo na chapa para os empregados que saíam do turno da noite ou que começavam o trabalho pela manhã. Anotava os lanches em um caderno e cobrava dos clientes só no dia do pagamento.

Gostava de vê-los comer. Alguns chegavam a dar três mordidas no pão antes de engolir, e ainda bebiam café com leite por cima, misturando tudo na boca, com enorme prazer. O cheiro de vísceras e fezes de frango abatido tomava conta do ar, tornando-o quase irrespirável, mas os trabalhadores nem ligavam; conversavam e riam enquanto comiam, segurando os sanduíches e os copos descartáveis com mãos calejadas, enrugadas, as unhas pretas, sujas de sangue. Alguns eram quase crianças; outros, velhos; mas a maioria era jovem, de vinte, trinta anos no máximo, exibindo suas tatuagens de dragões, lagartos e borboletas; seus dentes podres; lábios trincados; pele encardida, ressecada.

Alguns tinham sido seus alunos no Ensino Médio. Chegavam ao primeiro ano semi-analfabetos, e assim continuavam, até se formarem (quando não desistiam antes, por falta de perspectivas). Os próprios professores, mal pagos, estressados e infelizes, desestimulavam o estudo, com aulas que eram a mais pura enrolação: Insuportáveis! É claro que havia alguns excelentes educadores, mas eram poucos, e diminuíam cada vez mais. Enquanto funcionários do alto escalão do governo elaboravam projetos sofisticados e produziam materiais didáticos com metodologias avançadas para a Educação, os professores abandonavam a sala de aula, deixando para trás, muitas vezes, um ideal, uma paixão, para se dedicarem a outras atividades, mais rentáveis.

Por volta de dez horas da manhã, o ex-professor chegava em casa e encontrava a esposa no fogão, preparando os marmitex que ele entregava todos os dias nas confecções e lojas do centro da cidade. Arroz, feijão, macarrão, salada e bife de frango, porco ou boi. O tempero da mulher era muito elogiado pelos clientes, sempre fiéis. Muitas sacoleiras que vinham de outras cidades para comprar roupa também levavam os marmitex; e para ele era um prazer vê-las sentadas nos degraus das lojas ou nas calçadas, comendo com colheres e garfos descartáveis, levando os bifes à boca com as próprias mãos, lambuzadas de molho e gordura de porco. Ao terminarem, lambiam os dedos e os beiços com sofreguidão.

Às cinco da tarde, estacionava a perua em uma vaga reservada para ele na praça principal da cidade, onde às seis horas muita gente passava, voltando para casa depois do trabalho; às nove, vários casais de namorados passeavam de mãos dadas; e às onze, prostitutas, travestis e garotos de programa ofereciam seus corpos a homens e mulheres à procura de prazer sem compromisso. Ali, vendia cachorro quente e vários tipos de sanduíches, que eram servidos com refrigerante ou suco. Enquanto esperavam seus lanches, os casais de namorados ficavam em silêncio, sentados nos bancos da praça, olhando o movimento. As namoradas geralmente pediam cachorro quente e suco, e os namorados sanduíche de pernil - com cebola, pimentão e bacon - e um copo de refrigerante. Elas comiam com delicadeza; eles, com avidez.

Uma noite, quando se preparava para ir embora, viu uma prostituta novata se aproximar de um carro e imediatamente reconheceu-a: era uma ex-aluna. Na noite seguinte, reconheceu um garoto de programa: era um ex-professor de Educação Física que, como ele, havia desistido da profissão para tentar a sorte em outras atividades.

Flávio Marcus da Silva

Foto: Sebastião Salgado

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