O homem de meia-idade saiu da reunião enfurecido, com os olhos cheios de ódio. “Como ousam?”, pensou em voz alta, ao colocar a pasta repleta de documentos no banco de couro do seu luxuoso carro importado.
Com a luz do carro acesa, fitou pelo retrovisor seus enormes olhos avermelhados. Sentiu que algo pulsava em seu crânio, fazendo tremer a imagem das duas esferas injetadas de sangue refletidas no pequeno espelho à sua frente. “Minha pressão”, pensou, respirando fundo, e instintivamente procurou no bolso do paletó uma cartela de comprimidos que não estava ali.
Passou a mão direita pelo rosto suado até chegar ao pescoço, também molhado. Deslizou-a lentamente pelo peito, até sentir com as pontas dos dedos a enorme barriga, inflada por anos de dieta desregrada e sedentarismo. “Quem eles pensam que são?”, gritou alto, olhando para o prédio à sua frente. O homem estava indignado. Não conseguia entender por que o tratavam como se fosse qualquer um, quando todos lá fora o reverenciavam como a um Deus, pelo cargo que ocupava, pelo patrimônio que ostentava e pelo poder que exercia sobre políticos, empresários, jornalistas e outras pessoas influentes na cidade. Não podia tolerar mais o mesmo tratamento que era dado aos seus colegas inferiores, aliado a uma insuportável indiferença em relação às críticas e deboches que ele lançava (de forma cada vez mais agressiva) contra a empresa e seus dirigentes.
Bateu a porta do carro com a fúria de um rinoceronte velho acuado e arrancou em alta velocidade. Ao chegar em casa, preparou uma dose de whisky sem gelo, ligou a televisão da sala e desabou sobre o sofá.
Dormiu, mas não acordou.
No velório, angustiosas coroas de flores lotaram a sala onde estava o caixão (e muitas outras foram depositadas do lado de fora). Até o passeio público ficou repleto de funestos e maciços arranjos de pano roxo e fitas negras, obrigando os pedestres a se desviarem, indiferentes ao corpo que, lá dentro, ao final da tarde, em pleno verão, já começava a cheirar mal.
Políticos, executivos, advogados, juízes, médicos e empresários entraram e saíram do velório o dia todo. Muitos ficaram para o enterro e prestaram ao morto uma contida e reverente homenagem, quase sem lágrimas.
Terminada a cerimônia, poucos minutos depois da última pá de terra cair sobre o caixão, todas as pessoas que haviam permanecido até a hora do enterro, por respeito, educação, interesse ou genuíno sentimento de perda, já se encontravam de volta à sua rotina, preocupadas com o dia seguinte, com seus próprios problemas...
...como qualquer um.
Com a luz do carro acesa, fitou pelo retrovisor seus enormes olhos avermelhados. Sentiu que algo pulsava em seu crânio, fazendo tremer a imagem das duas esferas injetadas de sangue refletidas no pequeno espelho à sua frente. “Minha pressão”, pensou, respirando fundo, e instintivamente procurou no bolso do paletó uma cartela de comprimidos que não estava ali.
Passou a mão direita pelo rosto suado até chegar ao pescoço, também molhado. Deslizou-a lentamente pelo peito, até sentir com as pontas dos dedos a enorme barriga, inflada por anos de dieta desregrada e sedentarismo. “Quem eles pensam que são?”, gritou alto, olhando para o prédio à sua frente. O homem estava indignado. Não conseguia entender por que o tratavam como se fosse qualquer um, quando todos lá fora o reverenciavam como a um Deus, pelo cargo que ocupava, pelo patrimônio que ostentava e pelo poder que exercia sobre políticos, empresários, jornalistas e outras pessoas influentes na cidade. Não podia tolerar mais o mesmo tratamento que era dado aos seus colegas inferiores, aliado a uma insuportável indiferença em relação às críticas e deboches que ele lançava (de forma cada vez mais agressiva) contra a empresa e seus dirigentes.
Bateu a porta do carro com a fúria de um rinoceronte velho acuado e arrancou em alta velocidade. Ao chegar em casa, preparou uma dose de whisky sem gelo, ligou a televisão da sala e desabou sobre o sofá.
Dormiu, mas não acordou.
No velório, angustiosas coroas de flores lotaram a sala onde estava o caixão (e muitas outras foram depositadas do lado de fora). Até o passeio público ficou repleto de funestos e maciços arranjos de pano roxo e fitas negras, obrigando os pedestres a se desviarem, indiferentes ao corpo que, lá dentro, ao final da tarde, em pleno verão, já começava a cheirar mal.
Políticos, executivos, advogados, juízes, médicos e empresários entraram e saíram do velório o dia todo. Muitos ficaram para o enterro e prestaram ao morto uma contida e reverente homenagem, quase sem lágrimas.
Terminada a cerimônia, poucos minutos depois da última pá de terra cair sobre o caixão, todas as pessoas que haviam permanecido até a hora do enterro, por respeito, educação, interesse ou genuíno sentimento de perda, já se encontravam de volta à sua rotina, preocupadas com o dia seguinte, com seus próprios problemas...
...como qualquer um.
Flávio Marcus da Silva
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