"Acordei hoje muito cedo, num repente embrulhado, e ergui-me logo da
cama, sob o estrangulamento de um tédio incompreensível. Nenhum sonho o
havia causado; nenhuma realidade o poderia ter feito. Era um tédio
absoluto e completo, mas fundado em qualquer coisa. No fundo obscuro da
minha alma, invisíveis, forças desconhecidas travavam uma batalha em que
meu ser era o solo, e todo eu tremia do embate incógnito. Uma náusea
física da vida inteira nasceu com o meu despertar. Um horror
a ter que viver ergueu-se comigo da cama. Tudo me pareceu oco e tive a
impressão fria de que não há solução para problema algum. Uma
inquietação enorme fazia-me estremecer os gestos mínimos. Tive receio de
endoidecer, não de loucura, mas de ali mesmo. O meu corpo era um grito
latente. O meu coração batia como se soluçasse."
Fernando Pessoa (1888-1935). Livro do desassossego. Porto: Assírio e
Alvim, 2013, n. 98. Citado por Adriano Oliveira. O tédio no 'Livro do
Desassossego'.
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