quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Deserção

"O que chamou a atenção de Cyprian mais do que qualquer mudança de vestuário foi o aspecto radiante de um espírito redespertado que Ratty, agora claramente libertado da máscara rígida de sua velha personalidade profissional, estava ainda aprendendo a controlar. 'Não estou disfarçado, não, não, este é o meu eu verdadeiro – a carreira de funcionário público, isso tudo terminou pra mim, na verdade a culpa foi sua, Cyprian. A maneira como você enfrentou o Theign foi uma inspiração para muitos de nós – e de repente surgiram vazios de pessoal em toda a Whitehall, em alguns departamentos chegou a haver uma deserção em massa. Quem nunca trabalhou lá não pode imaginar a felicidade que é livrar-se daquilo finalmente. Era como se eu estivesse a patinar no gelo, um belo dia simplesmente entrei a deslizar na sala do diretor, coisa curiosa, nem me lembro de ter aberto a porta antes, interrompi uma reunião, despedi-me, beijei a datilógrafa ao sair, e não é que ela correspondeu ao meu beijo, largou o que estava a fazer e veio comigo? Simplesmente largou tudo. Sophrosyne Hawkes, uma linda rapariga – lá está ela."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 937

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