domingo, 7 de agosto de 2016

Ataque terrorista


"'Uma coisa é tentar cumprir as promessas feitas aos mortos da gente', era a posição de Reef, 'e outra é sair espalhando morte por aí a torto e a direito. Não vá me dizer que estou contaminado com valores burgueses. O fato é que aprendi a gostar desses cafés, de toda essa confusão da vida urbana – melhor estar aqui aproveitando isto do que ficar o tempo todo preocupado com a possibilidade de uma bomba explodir –' e, é claro, foi nesse exato momento que a coisa aconteceu, tão inesperada e tão ruidosa que muitos dias depois os sobreviventes não tinham certeza se a coisa de fato ocorrera, como também não conseguiam acreditar que alguém havia desejado lançar sobre uma civilidade tão antiga, conquistada a um preço tão alto, essa grande florescência de desintegração – uma densa e prolongada chuva de fragmentos de vidro, verde, incolor, âmbar, negro, de janelas, espelhos e copos, garrafas de água, vinho, absinto, xarope de frutas, uísque de muitas idades e origens, sangue humano por toda parte, arterial, venoso e capilar, fragmentos de ossos e cartilagem e tecidos macios, lascas de madeira de todos os tamanhos saídas de móveis, fragmentos de estanho, zinco e latão, desde grandes folhas rasgadas até os minúsculos pregos das molduras dos quadros, emanações nítricas, fluidas cortinas de fumaça, opacas de tão negras – um enorme túnel reluzente que subia ao céu e descia outra vez, para fora, para o outro lado da rua, descendo o quarteirão, atravessando os raios de um sol de meio-dia totalmente indiferente, como uma longa mensagem heliográfica enviada tão depressa que só conseguiam lê-la os anjos da destruição.

Deixando aqueles burgueses tão abruptamente feridos, chorando como crianças, crianças outra vez, sem nenhuma obrigação senão a de parecer indefesos e dignos de pena a ponto de comover aqueles que tinham meios de defendê-los, protetores munidos de armas modernas e disciplina férrea, e por que eles estariam demorando tanto para chegar? Enquanto choravam, constatavam que eram capazes de se olhar nos olhos uns dos outros, como se libertados da maioria de suas necessidades de fingir que eram adultos, necessidades que estavam em vigor até poucos segundos antes."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 855-6

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