"As ameixeiras e romãzeiras estavam começando a florescer, tons
incandescentes de branco e vermelho. As últimas manchas de neve já
haviam quase desaparecido das sombras azul-anil dos muros de pedra
voltados para o norte, porcas e porquinhos corriam alegres, guinchando,
nas ruas lamacentas. Andorinhas com filhotes recém-nascidos atacavam
seres humanos que elas consideravam intrusivos. Num café perto da
Katunska Ulica, junto ao mercado, Cyprian, sentado em frente a uma mesa
de um casal de namorados (a principal
diferença entre os quais e os pombos, ele refletiu, era o fato de que os
pombos eram mais diretos quando se tratava de cagar em cima das
pessoas), fazendo um grande esforço para manter a expressão livre de
sinais de aborrecimento, foi tomado por uma Revelação Cósmica, a qual
caiu do céu como titica de pombo, a saber, que o Amor, o qual pessoas
como Bevis e Jacintha sem dúvida imaginavam como uma única Força à solta
no mundo, na verdade assemelhava-se mais às trezentas e trinta e três
mil ou sabe-se lá quantas formas diferentes de Brama que são adoradas
pelos hindus – a súmula, em qualquer momento dado, de todos os diversos
subdeuses do amor que milhões de mortais apaixonados, numa dança
ilimitada, por acaso estivessem cultuando. Sim, e boa sorte para todos
eles.
Sentiu uma alegria
sóbria e estranha diante da capacidade, que ele parecia ter adquirido
apenas recentemente, de observar a si próprio se aborrecendo. Muito
estranho."
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 852-3
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