"Ao cruzar o continente europeu, os rapazes manifestaram seu assombro
ao constatar quão mais infectado de luz se haviam tornado os terrenos
noturnos que passavam lá embaixo – ninguém jamais os vira tão claros,
pois as lanternas isoladas e redes esparsas de luz de gás haviam sido
substituídas pela iluminação de rua eletrificada, como se pelotões
avançados do dia estivessem progressivamente invadindo e colonizando os
confins desarmados da noite. Agora porém, finalmente, sobrevoando
o sul da Califórnia e contemplando a incandescência que jorrava dos
subúrbios residenciais e praças urbanas, quadras esportivas, cinemas,
pátios de manobras e estações ferroviárias, claraboias de fábricas,
antenas, ruas e avenidas com filas de faróis de automóveis
constantemente a se arrastar para além do horizonte, sentiam-se na
posição de testemunhas inquietas de alguma conquista final, um triunfo
sobre a noite cuja razão de ser nenhum deles compreendia de todo.
'Deve ter a ver com turnos de trabalho extras', arriscou Randolph, 'cada vez mais frequentes, avançando pela noite adentro.'
'Tantos empregos adicionais', entusiasmou-se Lindsay, 'devem indicar
uma expansão ainda maior da já prodigiosa economia norte-americana, o
que sem dúvida é uma boa notícia para nós, levando-se em conta a fração
considerável do nosso capital que lá está investida.'
'Isso
mesmo, trabalham como mouros pra viver na miséria e morrer cedo', Darby
rosnou, 'é graças a isso que nós podemos ficar aqui voando, no bem-bom.'
[...]
Como se fortificado pela absorção de uma quantidade
crítica daquela luz implacável, Miles falou, sua voz quase falhando sob o
peso de uma emoção difícil de discernir. 'Lúcifer, filho da manhã,
portador da luz... Príncipe do Mal.'"
Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 1035
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