"Anos atrás, a cantora Marina Lima compôs com o seu irmão, o poeta
Antônio Cícero, uma música que dizia: 'Eu espero/acontecimentos/só que
quando anoitece/é festa no outro apartamento'. Passei minha adolescência
com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em
algum lugar para o qual eu não tinha sido convidada. É uma das
características da juventude: considerar-se deslocado e impedido de ser
feliz como os outros são – ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tão ligada na grama do vizinho.
As 'festas em outros apartamentos' são fruto da nossa imaginação, que é
infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os
notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas
angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas
fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes
paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão
animada assim."
Martha Medeiros (1961-). Coisas da vida. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 185
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