"O quarto livro de Archimboldi não demorou a chegar à editora. Se
chamava 'Rios da Europa', embora falasse basicamente de um só rio, o
Dnieper. Digamos que o Dnieper era o protagonista do livro e os demais
rios nomeados faziam parte do coro. O senhor Bubis o leu numa sentada,
em sua sala, e os risos que lhe provocou a leitura foram ouvidos por
toda a editora. Desta vez o adiantamento que mandou a Archimboldi foi
maior do que todos os anteriores, a tal ponto que Martha, a secretária,
antes de enviar o cheque para Colônia, entrou na sala do senhor Bubis
e, mostrando o cheque, perguntou (não uma mas duas vezes) se o valor
estava correto, ao que o senhor Bubis respondeu que sim, que era a cifra
correta, ou incorreta, tanto fazia, um valor, um número, pensou ele
quando tornou a ficar sozinho, sempre é aproximado, não existe número
correto, só os nazistas acreditavam no número correto e os professores
de matemática elementar, só os sectários, os loucos das pirâmides, os
coletores de impostos (que Deus acabe com eles), os numerologistas que
liam o destino por três vinténs acreditavam no número correto. Os
cientistas, pelo contrário, sabiam que todo número é apenas aproximado.
Os grandes físicos, os grandes matemáticos, os grandes químicos e os
editores sabiam que a gente sempre transita no escuro."
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 783
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