"Certo e errado são convenções que se confirmam com meia dúzia de
atitudes. Certo é ser gentil, respeitar os mais velhos, seguir uma dieta
balanceada, dormir oito horas por dia, lembrar dos aniversários,
trabalhar, estudar, casar e ter filhos, certo é morrer bem velho e com o
dever cumprido. Errado é dar calote, repetir o ano, beber demais,
fumar, se drogar, não programar um futuro decente, dar saltos sem rede.
Todo mundo de acordo?
Todo mundo teoricamente de acordo, porém a vida
não é feita de teorias. E o resto? E tudo aquilo que a gente mal
consegue verbalizar, de tão intenso? Desejos, impulsos, fantasias,
emoções. Ora, meia dúzia de normas preestabelecidas não dão conta do
recado. Impossível enquadrar o que lateja, o que arde, o que grita
dentro de nós. [...]
O amor
é certo, o ódio é errado, e o resto é uma montanha de outros
sentimentos, uma solidão gigantesca, muita confusão, desassossego,
saudades cortantes, necessidade de afeto e urgências sexuais que não se
adaptam às regras do bom comportamento. [...]
Todo o resto é o
que nos assombra: as escolhas não feitas, os beijos não dados, as
decisões não tomadas, os mandamentos que não obedecemos, ou que
obedecemos bem demais – a troco de que fomos tão bonzinhos?"
Martha Medeiros (1961-). Coisas da vida. Porto Alegre: L&PM, 2010, p. 11-12
Nenhum comentário:
Postar um comentário