sexta-feira, 31 de julho de 2015

Lola

"Depois disse a ele o que na verdade queria dizer: que sabia que ele não era homossexual, que ela sabia que ele estava preso e desejava fugir, que ela sabia que o amor maltratado, mutilado, deixava sempre aberta uma brecha para a esperança, que a esperança era seu projeto (ou o contrário) e que sua materialização, sua objetivação consistia em escapar do manicômio com ela e tomar o caminho da França. E ela, quem é?, perguntou o poeta que tomava dezesseis comprimidos diários e escrevia sobre as suas visões, apontando para Imma que, impávida, lia de pé um dos seus livros, como se suas anáguas e saias fossem de concreto armado e a impedissem de sentar. Ela vai nos ajudar, disse Lola. A verdade é que o plano foi idealizado por ela. Entraremos na França pela montanha, como peregrinos. Iremos a Saint-Jean-de-Luz e ali pegaremos o trem. O trem nos levará pelos campos, que nesta época do ano são os mais formosos do mundo, até Paris. Moraremos em albergues. Esse é o plano de Imma. Trabalharemos ela e eu fazendo faxina ou cuidando de crianças nos bairros ricos de Paris enquanto você escreve poesia. De noite você lerá seus poemas e fará amor comigo. Esse é o plano de Imma, calculado em todos os detalhes. Ao fim de três ou quatro meses ficarei grávida e essa será a prova mais fidedigna de que você não é o fim de uma raça. Que mais poderiam querer as famílias inimigas! Ainda trabalharei mais uns meses, mas chegada a hora Imma trabalhará dobrado. Viveremos como profetas mendigos ou como profetas crianças enquanto os olhos de Paris estiverem focados em outros alvos, a moda, o cinema, os jogos de azar, a literatura francesa e americana, a gastronomia, o produto interno bruto, a exportação de armas, a manufatura de lotes maciços de anestesia, tudo aquilo que no fim das contas será somente a cenografia dos primeiros meses do nosso feto."

Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 173-4

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