domingo, 28 de setembro de 2008

sábado, 27 de setembro de 2008

Somos como un sueño

Un pintor nos prometió un cuadro.
Ahora, en New England, sé que ha muerto. Sentí
como otras veces, la tristeza y la sorpresa
de comprender que somos como un sueño.
Pensé en el hombre y en el cuadro perdidos.
(Sólo los dioses pueden prometer, porque son
[ inmortales).
Pensé en el lugar prefijado que la tela no ocupará.
Pensé después: si estuviera ahí, sería con el
tiempo esa cosa más, una cosa, una de las
vanidades o hábitos de mi casa; ahora es
ilimitada, incesante, capaz de cualquier
forma y cualquier color y no atada a
ninguno.
Existe de algún modo. Vivirá y crecerá como una
música, y estará conmigo hasta el fin.
Gracias, Jorge Larco.
(También los hombres pueden prometer, porque
[ en la promesa hay algo inmortal).

Jorge Luis Borges. De Elogío de la Sombra, 1969

Déjeuner du Matin

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
Et moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
Et j'ai pleuré.

Jacques Prévert (1900-1977)

O Defunto

Quando morto estiver meu corpo,
Evitem os inúteis disfarces,
Os disfarces com que os vivos,
Só por piedade consigo,
Procuram apagar no Morto
O grande castigo da Morte.

Não quero caixão de verniz
Nem os ramalhetes distintos,
Os superfinos candelabros
E as discretas decorações.

Quero a morte com mau-gosto!

Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes.

E descubram bem minha cara:
Que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos.
Que ela ponha nos seus espíritos
A incerteza, o pavor, o pasmo.
E a cada um leve bem nítida
A idéia da própria morte.

Descubram bem esta cara!

Descubram bem estas mãos.
Não se esqueçam destas mãos!
Meus amigos, olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
Em que sexos demoraram
Seus sabidos quirodáctilos?

Foram nelas esboçados
Todos os gestos malditos:
Até os furtos fracassados
E interrompidos assassinatos.

— Meus amigos! olhem as mãos
Que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam! Elas fugiram
Da suprema purificação
Dos possíveis suicídios.

— Meus amigos, olhem as mãos!
As minhas e as vossas mãos!

Descubram bem minhas mãos!

Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo,
E até mesmo do meu corpo
As partes excomungadas,
As sujas partes sem perdão.

— Meus amigos, olhem as partes...
Fujam das partes,
Das punitivas, malditas partes ...

E, eu quero a morte nua e crua,
Terrífica e habitual,
Com o seu velório habitual.

— Ah! o seu velório habitual!

Não me envolvam em lençol:
A franciscana humildade
Bem sabeis que não se casa
Com meu amor da Carne,
Com meu apego ao Mundo.

E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
Calça listrada, plastron...
E os mais altos colarinhos.

Dêem-me um terno de Ministro
Ou roupa nova de noivo ...
E assim Solene e sinistro,
Quero ser um tal defunto,
Um morto tão acabado,
Tão aflitivo e pungente,
Que sua lembrança envenene
O que resta aos amigos
De vida sem minha vida.

— Meus, amigos, lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
Deste pobre terrível morto
Que vai se deitar para sempre
Calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão

Os penetras escorraçados,
As prostitutas recusadas,
Os amantes despedidos,
Como os que saem enxotados
E tornariam sem brio
A qualquer gesto de chamada.

Meus amigos, tenham pena,
Senão do morto, ao menos
Dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
Sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos,
E olhai os vossos também.

Pedro Nava (1903-1984)

Fence

Now the stone house on the lake front is
finished and the workmen are beginning
the fence.
The palings are made of iron bars with steel
points that can stab the life out of any
man who falls on them.
As a fence, it is a masterpiece, and will shut off
the rabble and all vagabonds and hungry
men and all wandering children looking
for a place to play.
Passing through the bars and over the steel
points will go nothing except Death
and the Rain and To-morrow.

Carl Sandburg (1878-1967)

Amor

Na véspera de ti
eu era pouca
e sem
sintaxe
eu era um quase
uma parte
sem outra
um hiato
de mim.

No agora de ti
aconteço
tecida em ponto
cheio
um texto
com entrelinhas
e recheio:

um preciso corpo
um bastante sim.


Maria Esther Maciel. De Triz (1998)

Mirror

I am silver and exact. I have no preconceptions.
Whatever I see, I swallow immediately.
Just as it is, unmisted by love or dislike
I am not cruel, only truthful

The eye of a little god, four-cornered.
Most of the time I meditate on the opposite wall.
It is pink, with speckles. I have looked at it so long
I think it is a part of my heart. But it flickers.
Faces and darkness separate us over and over.

Now I am a lake. A woman bends over me.
Searching my reaches for what she really is.
Then she turns to those liars, the candles or the
[ moon.
I see her back, and reflect it faithfully
She rewards me with tears and an agitation of hands.
I am important to her. She comes and goes.
Each morning it is her face that replaces the
[ darkness.
In me she has drowned a young girl, and in me an old
[ woman
Rises toward her day after day, like a terrible fish.

Sylvia Plath

sábado, 20 de setembro de 2008

Livro de Ocorrências

Investigador Miro trouxe a mulher à minha presença.

Foi o marido, disse Miro, desinteressado. Naquela delegacia de subúrbio era comum briga de marido e mulher.

Ela estava com dois dentes partidos na frente, os lábios feridos, o rosto inchado. Marcas nos braços e no pescoço.

Foi o seu marido que fez isso?, perguntei.

Não foi por mal, doutor, eu não quero dar queixa.

Então por que a senhora veio aqui?

Na hora eu fiquei com raiva, mas já passou. Posso ir embora? Não.

Miro suspirou. Deixa a mulher ir embora, disse ele entre dentes.

A senhora sofreu lesões corporais, é um crime de ação pública, independe da sua queixa. Vou enviá-la a exame de corpo delito, eu disse.

Ubiratan é nervoso mas não é má pessoa, ela disse. Por favor, não faz nada com ele.

Eles moravam perto. Decidi ir falar com Ubiratan. Uma vez, em Madureira, eu havia convencido um sujeito a não bater mais na mulher; outros dois, quando trabalhei na Delegacia de Jacarepaguá, também haviam sido persuadidos a tratar a mulher com decência.

Um homem alto e musculoso abriu a porta. Estava de calção, sem camisa. Num canto da sala havia uma barra de aço com pesadas anilhas de ferro e dois halteres pintados de vermelho. Ele devia estar fazendo exercícios quando cheguei. Seus músculos estavam inchados e cobertos por grossa camada de suor. Ele exalava a força espiritual e o orgulho que uma boa saúde e um corpo cheio de músculos dão a certos homens.

Sou da Delegacia, eu disse.

Ah, então ela foi mesmo dar queixa, a idiota, Ubiratan resmungou. Abriu a geladeira, tirou uma lata de cerveja, destampou e começou a beber.

Vai e diz para ela voltar logo para casa senão vai ter.

Acho que você ainda não percebeu o que vim fazer aqui. Vim convidá-lo para depor na Delegacia.

Ubiratan atirou a lata vazia pela janela, pegou a barra de ato e levantou-a sobre a cabeça dez vezes, respirando ruidosamente pela boca, como se fosse uma locomotiva.

Você acha que eu tenho medo da polícia?, ele perguntou, olhando com admiração e carinho os músculos do peito e dos braços.

Não é preciso ter medo. Você vai lá apenas para depor. Ubiratan pegou meu braço e me sacudiu.

Cai fora, tira nojento, você está me irritando.

Tirei o revólver do coldre. Posso processá-lo por desacato, mas não vou fazer isso. Não complique as coisas, venha comigo à Delegacia, em meia hora estará livre, eu disse, calmamente e com delicadeza.

Ubiratan riu. Qual é tua altura, anãozinho?

Um metro e setenta. Vamos embora.

Vou tirar essa merda da sua mão e mijar no cano, anãozinho. Ubiratan contraiu todos os músculos do corpo, como um animal se arrepiando para assustar o outro, e estendeu o braço, a mão aberta para agarrar o meu revólver. Atirei na sua coxa. Ele me olhou atônito.

Olha o que você fez com o meu sartório!, Ubiratan gritou mostrando a própria coxa, você é maluco, o meu sartório!

Sinto muito, eu disse, agora vamos embora senão atiro na outra perna.

Pra onde você vai me levar, anãozinho?

Primeiro para o hospital, depois para a Delegacia.

Isso não vai ficar assim, anãozinho, tenho amigos influentes.

O sangue escorria pela sua perna, pingava no assoalho do carro. Desgraçado, o meu sartório! Sua voz era mais estridente do que a sirene que abria nosso caminho pelas ruas.

Extraído do livro "O Cobrador", de Rubem Fonseca

Mundo Pequeno

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

Manoel de Barros

domingo, 14 de setembro de 2008

Na Natureza Selvagem

After graduating from Emory University in Atlanta in 1992, top student and athlete Christopher McCandless abandoned his possessions, gave his entire $24,000 savings account to charity and hitchhiked to Alaska, where he went to live in the wilderness. Four months later, he turned up dead. His diary, letters and two notes found at a remote campsite tell of his desperate effort to survive, apparently stranded by an injury and slowly starving. They also reflect the posturing of a confused young man, raised in affluent Annandale, Va., who self-consciously adopted a Tolstoyan renunciation of wealth and return to nature.

"Carreiras são uma invenção do século XX"

Christopher McCandless

sábado, 13 de setembro de 2008

To Old Age

I SEE in you the estuary that enlarges and spreads itself grandly as
it pours in the great sea.

Walt Whitman

The Torch

On my Northwest coast in the midst of the night a fishermen's
group stands watching,
Out on the lake that expands before them, others are spearing
salmon,
The canoe, a dim shadowy thing, moves across the black water,
Bearing a torch ablaze at the prow.

Walt Whitman


Existir


"A vida tem caminhos estranhos, tortuosos, às vezes difíceis: um simples gesto involuntário pode desencadear todo um processo. Sim, existir é incompreensível e excitante. As vezes que tentei morrer foi por não poder suportar a maravilha de estar vivo e de ter escolhido ser eu mesmo e fazer aquilo que eu gosto - mesmo que muitos não compreendam ou não aceitem."

"Chorei três horas, depois dormi dois dias.Parece incrível ainda estar vivo quando já não se acredita em mais nada. Olhar, quando já não se acredita no que se vê. E não sentir dor nem medo porque atingiram seu limite. E não ter nada além deste amplo vazio que poderei preencher como quiser ou deixá-lo assim, sozinho em si mesmo, completo, total."


Caio Fernando de Abreu

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

Amor feinho

"Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho."

Adélia Prado

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

...parirse a sí mismos

Quelquefois, dans la vie, on doit changer d’avis, on doit même modifier presque ou complètement notre façon d’agir et de penser. Quelquefois, la réalité, les événements, nous forcent à regarder le monde avec d’autres yeux, et, pourtant, ça ne doit pas signifier le malheur, la dépression, l’abîme existentiel. J’ai ici deux exemples littéraires de ce que je parle. Le prémier est Robinson Crusoe, le jeune homme qui, soudain, s’est vu dans une situation terrible, perdu, peut-être pour toujours, dans une île déserte, sans communication avec le reste du monde. Le second est celui de Florentino Ariza, personnage de Gabriel García Marquez qui n’hésite pas à prendre des décisions considerées pour les autres comme n’ayant rien de sage, de raisonnable. Voici la prémière citation, le récit de Robinson Crusoe: “It was now that I began sensibly to feel how much more happy this life I now led was, with all its miserable circumstances, than the wicked, cursed, abominable life I led all the past part of my days; and now I changed both my sorrows and my joys; my very desires altered, my affections changed their gusts, and my delights were perfectly new, from what they were at my first coming, or indeed for the two years past.” La seconde: “El tío estaba resentido con él [Florentino Ariza] por la manera como malbarató el buen empleo de telegrafista en la Villa de Leyva, pero se dejó llevar por su convicción de que los seres humanos no nacen para siempre el día en que sus madres los alumbran, sino que la vida los obliga otra vez y muchas veces a parirse a sí mismos.”

Belo Horizonte, le 07 juillet, 2000

Todo sobre mi madre

Demain c’est le jour de l’examen. J’ai un peu peur, mais il faut que je sois tranquille. Que faire? On n’a qu’à attendre. Ils peuvent détruire mon travail, l’argumentation que j’ai bâti pour soutenir ma dissertation. Pourtant, ils peuvent la trouver si bonne que je pourrai même entrer directement au doctorat. Mais je ne veux pas parler de ça. En ce moment, pour oublier la tension, je trouve que c’est mieux de parler du dernier Almodóvar que j’ai vu: Todo sobre mi madre. Merveilleux, fascinant, intrigant, l’univers almodoverien. Almodóvar montre que les labels masculin et féminin n’existent pas comme la société les a imposés aux êtres humains. Dans le film, il y a un jeune garçon qui veut connâitre l’histoire de son père. Ce père était un homme, mais qui, maintenant, est un transexuel qui s’appelle Lola. Même en étant comme ça Lola a fait l’amour avec une jeune fille qui est devenue enceinte. Au même temps il lui a transmit le VIH. Dans cette histoire il y a aussi une actrisse qui aime les femmes. À la fin, sa copine l’abandone pour se marier avec un homme. On ne peut pas oublier du jeune acteur qui demande à Agrado, un autre transexuel, de le caresser, et qui ne s’est même pas questionné devant le fait d’Agrado avoir un pénis. Il s’agit d’un film où les rôles définis n’existent pas et où les personnes vivent comme elles sont. C’est beaux ça.

Belo Horizonte, le 24 octobre, 1999