"O que sou neste instante? Sou uma máquina de escrever fazendo ecoar
as teclas secas na úmida e escura madrugada. Há muito já não sou gente.
Quiseram que eu fosse um objeto. Sou um objeto. Que cria outros objetos e
a máquina cria a nós todos. Ela exige. O mecanicismo exige e exige a
minha vida. Mas eu não obedeço totalmente: se tenho que ser um objeto,
que seja um objeto que grita. Há uma coisa dentro de mim que dói. Ah
como dói e como grita pedindo socorro. Mas faltam lágrimas na máquina
que sou. Sou um objeto sem destino. Sou um objeto nas mãos de quem? tal é
o meu destino humano. O que me salva é grito. Eu protesto em nome do
que está dentro do objeto atrás do atrás do pensamento-sentimento. Sou
um objeto urgente."
Clarice Lispector (1920-1977). Água Viva (1973). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990. p. 91-92
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