"...fique aí, no círculo da tua luz, e me deixe aqui, na minha
intensa escuridão, não é de hoje que chafurdo nas trevas: não cultivo a
palidez seráfica, não construo com os olhos um olhar pio, não meto nunca
a cara na máscara da santidade, nem alimento a expectativa de ver a
minha imagem entronada num altar; ao contrário dos bons samaritanos, não
amo o próximo, nem sei o que é isso, não gosto de gente, para abreviar
minhas preferências; afinal, alguém precisa, pilantra – e uso
aqui tua palavrinha mágica – 'assumir' o vilão tenebroso da história,
alguém precisa assumi-lo pelo menos pra manter a aura lúcida, levitada
sobre tua nuca; assumo pois o mal inteiro, já que há tanto de divino na
maldade, quanto de divino na santidade; e depois, pilantra, se não posso
ser amado, me contento fartamente em ser odiado."
Raduan Nassar (1935-). Um copo de cólera (1978). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 63-64
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