quarta-feira, 29 de junho de 2016

Matança

"Enquanto desciam, sobrevoando os Matadouros, o cheiro subia até eles, o cheiro e a zoeira de carne descobrindo sua mortalidade – como a contraparte escura de alguma ficção diurna que, como parecia cada vez mais provável, eles haviam ido até lá para ajudar a promover. [...]

Sob os olhares curiosos dos Amigos do Acaso espalhavam-se ruas e becos numa grade cartesiana, esboçada em tom de sépia, por quilômetros a fio. 'A Grande Cidade Bovina do Mundo', murmurou Lindsay, maravilhado. De fato, os lombos dos bois eram muito mais numerosos do que as copas de chapéus de seres humanos. Daquela altitude, era como se os Amigos, que em aventuras passadas amiúde contemplaram imensas manadas de gado a vagar pelas planícies do Oeste, formando desenhos sempre a modificar-se, como nuvens, vissem ali aquela liberdade informe sendo racionalizada, obrigada a mover-se apenas em linhas retas e ângulos retos, numa progressiva redução de opções, até a curva final, passando pelo portão final, que levava ao local da matança."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 16

Nenhum comentário: