"...sujeito que mora sozinho [...]. Muitas vezes o aspecto da cozinha
reflete o estado do espírito. Os sujeitos confusos, inseguros e
maleáveis são pensadores. A cozinha deles se assemelha às ideias que
têm: cheias de lixo, metal encardido, impurezas, mas eles sabem disso e
até acham graça. Às vezes, com violenta erupção de fogo, desafiam as
divindades eternas e surgem com o fulgor intenso que volta e meia
chamamos de criação [...]. Mas quem mantém a cozinha sempre limpa é anormal.
Cuidado com ele. O estado de sua cozinha equivale às ideias que tem:
tudo em ordem, arrumado; permitiu que a vida o condicionasse rapidamente
a um firme e resistente complexo de raciocínio defensivo e
tranquilizador. É só se prestar atenção no que diz durante dez minutos
pra se ter certeza de que tudo o que dirá pelo resto da vida será
intrinsecamente inexpressivo e sempre sem graça. É um monolito. Existem
mais criaturas desse tipo do que de qualquer outro. Portanto, quem
estiver a fim de encontrar um homem vivo precisa, antes de mais nada,
dar uma olhada na cozinha do cara – economiza tempo e dinheiro."
Charles Bukowski (1920-1994). Fabulário geral do delírio cotidiano - Parte II. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 124-5
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