sábado, 26 de março de 2016

Cozinhas


"...sujeito que mora sozinho [...]. Muitas vezes o aspecto da cozinha reflete o estado do espírito. Os sujeitos confusos, inseguros e maleáveis são pensadores. A cozinha deles se assemelha às ideias que têm: cheias de lixo, metal encardido, impurezas, mas eles sabem disso e até acham graça. Às vezes, com violenta erupção de fogo, desafiam as divindades eternas e surgem com o fulgor intenso que volta e meia chamamos de criação [...]. Mas quem mantém a cozinha sempre limpa é anormal. Cuidado com ele. O estado de sua cozinha equivale às ideias que tem: tudo em ordem, arrumado; permitiu que a vida o condicionasse rapidamente a um firme e resistente complexo de raciocínio defensivo e tranquilizador. É só se prestar atenção no que diz durante dez minutos pra se ter certeza de que tudo o que dirá pelo resto da vida será intrinsecamente inexpressivo e sempre sem graça. É um monolito. Existem mais criaturas desse tipo do que de qualquer outro. Portanto, quem estiver a fim de encontrar um homem vivo precisa, antes de mais nada, dar uma olhada na cozinha do cara – economiza tempo e dinheiro."

Charles Bukowski (1920-1994). Fabulário geral do delírio cotidiano - Parte II. Porto Alegre: L&PM, 2015, p. 124-5

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