"Fomos para o jardim e paramos sob uma árvore frondosa e florida de
onde dava para ver Coiote, através dos vidros da estufa. Rosário me
explicou que só pessoas muito especiais, dotadas de talentos e
sensibilidade diferentes das demais é que enlouquecem, é que se tornam
esquizofrênicas na juventude. Estudando as relações familiares doentias
que, segundo os antipsiquiatras, produzem a esquizofrenia, ela estava
chegando à seguinte conclusão: essas pessoas especiais, quando têm seus
talentos e sensibilidade impedidos de se exercitar, por causa dos
diversos tipos de repressão familiar, sobretudo pelas chantagens
afetivas típicas nas relações entre pais e filhos, acabam por se
alienar, desistem de viver suas vidas, tornam-se esquizofrênicas.
E Rosário tentava libertá-los morando com eles, procurando criar para
esses jovens outro tipo de família, protegendo-os das repressões. Estava
observando que, quando conseguia essa liberação, os clientes revelavam e
expressavam talentos geniais para algumas coisas e, sempre, uma quase
total impossibilidade de aceitar a vida burguesa; não apresentavam o
menor pragmatismo (escolha de profissão, perseverança, hábitos sociais
higiênicos, disciplina, método) e sofriam tremenda dificuldade para o
relacionamento afetivo e sexual.
Porém, não se podia mais classificá-los como loucos. A personalidade deles não estava mais dividida, fragmentada. Viviam o real como todo mundo. Apenas não se adaptavam à vida social convencional. Não eram mais doentes e, sim, problemas. E a doutora Rosário afirmava serem eles problemas políticos e éticos, não médicos, o que quer dizer, patológicos. Mas, para completar a tese, precisava encontrar um esquizofrênico sadio.
– Quando eu o vi, senti que Coiote era uma dessas pessoas especiais, que nascera diferente dos outros. Vinha dele, mesmo dormindo, uma energia muito livre, forte, algo que eu só percebia, às vezes, nos meus clientes ao fim do tratamento e, assim mesmo, numa intensidade e quantidade bem menores. O que me causa espanto e muito encanto, claro, é que Coiote revela nitidamente nunca ter sido vitimado pela repressão. A energia que vinha dele parecia pura e direta... louca, mas terrivelmente fascinante e perturbadora. Teoricamente, eu sabia que era possível existirem pessoas assim... esquizofrênicas em estado puro, entende?"
Roberto Freire (1927-2008). Coiote (1986). 4ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara, pp. 135-137
Porém, não se podia mais classificá-los como loucos. A personalidade deles não estava mais dividida, fragmentada. Viviam o real como todo mundo. Apenas não se adaptavam à vida social convencional. Não eram mais doentes e, sim, problemas. E a doutora Rosário afirmava serem eles problemas políticos e éticos, não médicos, o que quer dizer, patológicos. Mas, para completar a tese, precisava encontrar um esquizofrênico sadio.
– Quando eu o vi, senti que Coiote era uma dessas pessoas especiais, que nascera diferente dos outros. Vinha dele, mesmo dormindo, uma energia muito livre, forte, algo que eu só percebia, às vezes, nos meus clientes ao fim do tratamento e, assim mesmo, numa intensidade e quantidade bem menores. O que me causa espanto e muito encanto, claro, é que Coiote revela nitidamente nunca ter sido vitimado pela repressão. A energia que vinha dele parecia pura e direta... louca, mas terrivelmente fascinante e perturbadora. Teoricamente, eu sabia que era possível existirem pessoas assim... esquizofrênicas em estado puro, entende?"
Roberto Freire (1927-2008). Coiote (1986). 4ª ed., Rio de Janeiro: Guanabara, pp. 135-137
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