quinta-feira, 17 de março de 2016

Visões de Outsider



Rui segue seu caminho pelo rio da vida. Na superfície, sozinho, respira serenamente o ar puro da manhã e observa os balões vermelhos brilhantes dos homens que se arrastam no fundo e se entorpecem de felicidadezinhas e presunçõezinhas, produzindo bolhas, cheios de certezas. Rui não tem certeza de nada. Só quer se manter à tona, ver e sentir claramente, sem turvações. De dentro, os homens olham para cima e o observam através da água. A imagem que percebem é a de um louco, um ser vago e monstruoso, que a maioria ignora, mas que um ou outro ataca quando pode, com mordidas e arranhões. Rui não se importa. Segue seu caminho, observando os balões e as bolhas, ouvindo o burburinho das diversões efêmeras, dos negócios e empreendimentos, das vitórias e derrotas. Não está nem aí. Seu projeto é não ter projeto. Quer a vida viva, que não é boa nem ruim. Não busca a felicidade, não quer chegar a lugar nenhum, nem conquistar nada. Quer ser. Por isso segue assim, indiferente aos balões e às bolhas. Às vezes cruza com outros de sua espécie – seres estranhos, à tona como ele – e do fundo de si lhe vem uma paz que é quase uma certeza, uma luz que ele não entende – e nem quer entender. Trocam impressões, dicas de livros e filmes, quase todos marginais: visões de outsider... E seguem seus caminhos. 

Às vezes Rui mergulha no rio, para ver de perto o que se passa no fundo, os afazeres e conexões dos que são felizes e querem chegar a algum lugar, possuir alguma coisa, e buscam e conquistam; mistura-se com eles, planeja, faz, negocia, corre atrás e, feliz da vida, alcança o que, sem querer, quer. Porque é assim. É a água turva incontestável, poderosa, sempre molhada. Ela é o que é: real, verdadeira, única matéria de vida possível – quem pensa diferente é louco. E ainda por cima dá aos homens balões vermelhos e brilhantes, que eles fazem subir e descer, subir e descer... – distraçõezinhas que os tornam felizes e lhes dão a impressão de serem importantes...

Felizes e importantes...

Quando mergulha e se mistura ao imenso cardume, Rui vê dinheiro em tudo – “Isso aqui dá dinheiro”, diz para si, inebriado de água turva, segurando firme seu balão; mas chega uma hora que se assusta com o que diz. E com o susto acorda, solta o balão e volta para a superfície, ofegante, como se no fundo não pudesse respirar. Ao chegar, enche de novo os pulmões com o ar puro do dia ou da noite, sozinho, sozinho... E ainda cheio de susto, percebe que está de terno e gravata, todo engomado, no estilo padrão que tem que ser. Nunca conseguiu entender... Por que usam isso lá embaixo? Para quê? E arranca a vestimenta que o aprisiona e sufoca, sente o ar fresco selvagem em seu peito nu, respira melhor, sente a vida melhor... E não é feliz nem triste. É.

Flávio Marcus da Silva (1975-)

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