sábado, 20 de agosto de 2016

Príncipe do Mal

"Ao cruzar o continente europeu, os rapazes manifestaram seu assombro ao constatar quão mais infectado de luz se haviam tornado os terrenos noturnos que passavam lá embaixo – ninguém jamais os vira tão claros, pois as lanternas isoladas e redes esparsas de luz de gás haviam sido substituídas pela iluminação de rua eletrificada, como se pelotões avançados do dia estivessem progressivamente invadindo e colonizando os confins desarmados da noite. Agora porém, finalmente, sobrevoando o sul da Califórnia e contemplando a incandescência que jorrava dos subúrbios residenciais e praças urbanas, quadras esportivas, cinemas, pátios de manobras e estações ferroviárias, claraboias de fábricas, antenas, ruas e avenidas com filas de faróis de automóveis constantemente a se arrastar para além do horizonte, sentiam-se na posição de testemunhas inquietas de alguma conquista final, um triunfo sobre a noite cuja razão de ser nenhum deles compreendia de todo.

'Deve ter a ver com turnos de trabalho extras', arriscou Randolph, 'cada vez mais frequentes, avançando pela noite adentro.'

'Tantos empregos adicionais', entusiasmou-se Lindsay, 'devem indicar uma expansão ainda maior da já prodigiosa economia norte-americana, o que sem dúvida é uma boa notícia para nós, levando-se em conta a fração considerável do nosso capital que lá está investida.'

'Isso mesmo, trabalham como mouros pra viver na miséria e morrer cedo', Darby rosnou, 'é graças a isso que nós podemos ficar aqui voando, no bem-bom.' [...]

Como se fortificado pela absorção de uma quantidade crítica daquela luz implacável, Miles falou, sua voz quase falhando sob o peso de uma emoção difícil de discernir. 'Lúcifer, filho da manhã, portador da luz... Príncipe do Mal.'"

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 1035

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