domingo, 7 de agosto de 2016

Num café perto da Katunska Ulica

"As ameixeiras e romãzeiras estavam começando a florescer, tons incandescentes de branco e vermelho. As últimas manchas de neve já haviam quase desaparecido das sombras azul-anil dos muros de pedra voltados para o norte, porcas e porquinhos corriam alegres, guinchando, nas ruas lamacentas. Andorinhas com filhotes recém-nascidos atacavam seres humanos que elas consideravam intrusivos. Num café perto da Katunska Ulica, junto ao mercado, Cyprian, sentado em frente a uma mesa de um casal de namorados (a principal diferença entre os quais e os pombos, ele refletiu, era o fato de que os pombos eram mais diretos quando se tratava de cagar em cima das pessoas), fazendo um grande esforço para manter a expressão livre de sinais de aborrecimento, foi tomado por uma Revelação Cósmica, a qual caiu do céu como titica de pombo, a saber, que o Amor, o qual pessoas como Bevis e Jacintha sem dúvida imaginavam como uma única Força à solta no mundo, na verdade assemelhava-se mais às trezentas e trinta e três mil ou sabe-se lá quantas formas diferentes de Brama que são adoradas pelos hindus – a súmula, em qualquer momento dado, de todos os diversos subdeuses do amor que milhões de mortais apaixonados, numa dança ilimitada, por acaso estivessem cultuando. Sim, e boa sorte para todos eles.

Sentiu uma alegria sóbria e estranha diante da capacidade, que ele parecia ter adquirido apenas recentemente, de observar a si próprio se aborrecendo. Muito estranho."

Thomas Pynchon (1937-). Contra o dia (2006). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 852-3

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