quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O pensamento fácil


"Na Babel em que todos podem falar ao mesmo tempo, irão se sobressair aqueles que se fizerem mais vistos, claro que por seus próprios meios. Todavia, como todos podem falar, o número de coisas a serem vistas e ouvidas é infindável, de tal modo que para que se possa tomar parte neste circuito que se quer infinito, tudo deve ser feito segundo o critério da facilidade. Tudo deve ser fácil de ver, de ouvir, de interagir.

A timeline da rede social será melhor vista, isto quer dizer, mais rapidamente vista, quanto mais fáceis forem as coisas que se apresentem. Nesta faceta, a internet mostra-se muito mais conformista que revolucionária. E todos aqueles que objetivam ganhar e aumentar visibilidade devem assim proceder, não importa a direção política que sigam. [...]

Qualquer ato que possa demandar um maior tempo e esforço é, de imediato, rechaçado, posto que se identifica com a encarnação da chatice. Assim, são os nossos desejos, afetos e pensamentos que também devem se acomodar ao critério da rapidez e da facilidade. [...]

O ‘pensamento fácil’ é o modo difuso como raciocina o indivíduo deste começo de século. É a renúncia antecipada a qualquer resquício de complexidade. Pois esta última implica demora, esforço, e tais coisas são abominadas como sendo os antônimos absolutos da facilidade. Conformando-se aos tempos informacionais, o 'pensamento fácil' abole a barreira entre o simples e o simplório. Trabalha com definições curtas, como na lógica do estabelecimento do número máximo de caracteres. [...]

Desse modo, também a linguagem, as capacidades expressivas são alteradas pelo critério da brevidade, que é a regra linguística do 'pensamento fácil'. [...]

Se também nós nos acomodarmos ao ‘pensamento fácil’, cada vez mais perderemos a capacidade de realizar a crítica do presente, pois enquanto nos dão a facilidade como regra, o mundo se complexifica, nos pedindo cada vez mais o forjar de alternativas novas. Estas demandam sempre esforço, pertinácia e tempo. Um tempo que não é o das facilidades e um pensamento que não se contenta com simplismos. O desafio é, então, atuar no virtual sem se deixar seduzir pelo ‘pensamento fácil’, nem endossá-lo.”

Fran Alavina. A internet e as artimanhas do pensamento fácil. In: Carta Capital, 17/08/2016

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