domingo, 20 de março de 2016

Sertão é isto:




Sertão é o imprevisível. A morte na tocaia, indiferente, mansa, só esperando. Apeia-se aqui e ali, nas beiras dos rios, nos bambuzais, nas matas, nos ranchos de pousada. Come-se paçoca de carne, pequi, torresmo. Bebe-se cachaça. O destino é seguir sempre, buscando: o de comer, o de beber... viver... Vida solta indomada, e a gente no lombo dela, sem arreio, sem peias. No pelo.

“Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados”, diz Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas. Meu sertão é minha alma: meus rios, pastos e montanhas, minha verdade: vastidão desolada e rica onde sou eu mesmo, sem cabresto: cavalo solto, livre, pronto para morrer, satisfeito. Meu sertão... Ele também me rodeia dos lados, sai de dentro de mim e me protege, que nem escudo, das certezas desse mundão aí fora. É guerra encarniçada, difícil.

Meu sertão me salva do previsível da vida, dos modelos de razão, que fecham a gente em grades, que nem prisão. Porque no sertão, como diz Riobaldo, “o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!”. É o que eu penso.

Que me julguem, pois. Que me humilhem. Não me importo. Aí fora tudo é parcial. Ninguém vê total, puro. Vê só o que quer, o que pode. Não tem verdade.

Dentro de mim: verdade minha. Só. Sou o que sou, desamarrado, livre. Sei meu valor.

Que me espezinhem, pois. Que me torrem a paciência. Não me importo. Sou bicho do mato. Sou.

Riobaldo falou: “Sertão: é dentro da gente”. É isso.

Flávio Marcus da Silva (1975-)

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