terça-feira, 3 de março de 2015

Randy Lenz



"Randy Lenz descobriu que se conseguir chegar perto o bastante de um gato urbano com um pouco de atum estendido na mão ele consegue meter o saco por cima do bicho e catar aquilo tudo por baixo para o gato ficar no ar e no fundo do saco, e aí conseguia amarrar bem direitinho o saco com o araminho de torcer que vinha junto com cada saco. Ele podia colocar o saco fechado perto do muro ou cerca ou da lixeira mais setentrionais da vizinhança e acender um careta e se agachar perto do muro para ficar assistindo à variedade de formas mutáveis que o saco assumia enquanto o gato agitado ia ficando com menos ar. As formas ficavam cada vez mais violentas e retorcidas e em-pleno-ar com a passagem de um minuto. Depois que ele parava de assumir formas Lenz punha um dedo salivado na ponta da bituca para guardar o resto para mais tarde, levantava, soltava o araminho, olhava para dentro do saco e dizia: 'Isso'. O 'Isso' acabou se revelando crucial para a sensação de estilhaçamento, resolução e finalização de problemas de fúria impotente e medo ineficaz que tipo iam crescendo em Lenz o dia inteiro por ficar preso nas porções nordeste de uma casa de recuperação miserável o dia inteiro com a vida em risco, Lenz se sentia."

David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 553

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