"Gately é uma escolha imprevista para chef de cozinha da Casa Ennet,
já que viveu os últimos doze anos quase exclusivamente de sandubas de
segunda e de comidas prontas consumidas sempre em movimento. Ele tem 188
centímetros, 128 quilos e nunca tinha comido brócolis ou uma pera até o
ano passado. Cheficamente, ele oferece sem exceção uma rotina de:
salsicha cozida; um bolo de carne denso e úmido com pedacinhos de queijo
de supermercado e meia caixa de flocos de milho em cima, para
dar aquela textura; sopa de creme de galinha sobre macarrõezinhos em
formato de espiroqueta; coxas de galinha pré-temperadas ominosamente
escuras e ressecadas; hambúrgueres nojentinhamente malpassados; e
espaguete com molho de hambúrguer cuja massa ele ferve por quase uma
hora. Só os mais safos residentes da Ennet arriscariam uma gracinha
declarada sobre a comida que aparece toda noite em cima da longa mesa de
jantar ainda nas imensas panelas fumacentas em que foi feita, com o
rostão de Gately pairando lunar sobre elas, vermelho e molhado sob o
chapéu moloide de chef que Annie Parrot tinha lhe dado como uma piada
cruel que ele não havia entendido, com os olhos cheios de ansiedade e da
esperança de que todos gostassem bastante, basicamente parecendo uma
noiva nervosa que serve seu primeiro prato ao marido, só que as mãos
dessa noiva são do mesmo tamanho dos pratos da Casa e têm tatuagens de
presidiário, e essa noiva ao que parece não precisa de luvas de forno
quando coloca as panelas imensas sobre os panos que precisam ser
estendidos para evitar que o tampo de plástico da mesa derreta.
Quaisquer comentários culinários têm sempre que ser extremamente
oblíquos."
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 480
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