terça-feira, 3 de março de 2015

Chef Gately



"Gately é uma escolha imprevista para chef de cozinha da Casa Ennet, já que viveu os últimos doze anos quase exclusivamente de sandubas de segunda e de comidas prontas consumidas sempre em movimento. Ele tem 188 centímetros, 128 quilos e nunca tinha comido brócolis ou uma pera até o ano passado. Cheficamente, ele oferece sem exceção uma rotina de: salsicha cozida; um bolo de carne denso e úmido com pedacinhos de queijo de supermercado e meia caixa de flocos de milho em cima, para dar aquela textura; sopa de creme de galinha sobre macarrõezinhos em formato de espiroqueta; coxas de galinha pré-temperadas ominosamente escuras e ressecadas; hambúrgueres nojentinhamente malpassados; e espaguete com molho de hambúrguer cuja massa ele ferve por quase uma hora. Só os mais safos residentes da Ennet arriscariam uma gracinha declarada sobre a comida que aparece toda noite em cima da longa mesa de jantar ainda nas imensas panelas fumacentas em que foi feita, com o rostão de Gately pairando lunar sobre elas, vermelho e molhado sob o chapéu moloide de chef que Annie Parrot tinha lhe dado como uma piada cruel que ele não havia entendido, com os olhos cheios de ansiedade e da esperança de que todos gostassem bastante, basicamente parecendo uma noiva nervosa que serve seu primeiro prato ao marido, só que as mãos dessa noiva são do mesmo tamanho dos pratos da Casa e têm tatuagens de presidiário, e essa noiva ao que parece não precisa de luvas de forno quando coloca as panelas imensas sobre os panos que precisam ser estendidos para evitar que o tampo de plástico da mesa derreta. Quaisquer comentários culinários têm sempre que ser extremamente oblíquos."

David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 480

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