"...o vazio inerte não é o pior tipo de depressão. A anedonia de olhos mortos é apenas a rêmora do flanco central do verdadeiro predador, o Grande Tubarão Branco da dor. As autoridades chamam essa situação de 'depressão clínica' ou 'involucional', ou 'transtorno disfórico unipolar'. Ao contrário de apenas uma incapacidade de sentir, um amortecimento da alma, a depressão calibre-predador que Kate Gombert sempre sente quando entra em Abstinência da marijuana secreta é 'ela' própria uma sensação. Ela recebe muitos nomes – 'angústia', 'desespero', 'tormento', ou p. ex. a 'melancholia' de Burton ou a mais oficial 'depressão psicótica' de Yevtushenko – mas Kate Gombert, entrincheirada na batalha, a conhece apenas como 'Aquilo'.
'Aquilo' é um nível de dor psíquica totalmente incompatível com a vida
humana como a concebemos. 'Aquilo' é uma sensação de um mal radical e
onipresente não só como característica mas como a essência da existência
consciente. 'Aquilo' é uma sensação de envenenamento que toma todo o eu
nos seus níveis mais elementares. 'Aquilo' é uma náusea das células da
alma. 'Aquilo' é uma intuição ininerte em que o mundo é plenamente rico e
dotado de ânimo e não mapístico e também completamente doloroso,
maligno e antagônico ao eu, eu deprimido este em torno do qual 'Aquilo'
se enfuna e se coagula e que envolve em suas pregas negras e absorve
completamente, de modo que se atinge uma unidade quase mística com um
mundo que em cada partícula sua deseja o mal e a dor do eu. O caráter
emocional d''Aquilo', a sensação que Gombert descreve que 'Aquilo' é, é
provavelmente praticamente indescritível a não ser como uma espécie de
beco-sem-saída lógico em que qualquer/todas as alternativas que
associamos à ação humana – sentar ou ficar de pé, fazer ou repousar,
falar ou ficar calado, viver ou morrer – são não apenas desagradáveis
mas literalmente horríveis."
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 711
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 711
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