"Filho, você está com dez anos, e isso não é uma notícia mole pra
alguém de dez anos, mesmo que você tenha quase um metro e oitenta, uma
possível aberração pituitária. Filho, você é um corpo, filho. Essa
cabecinha rápida de prodígio-científico que deixa tua mãe tão orgulhosa
que não para de matraquear: filho, são só espasmos neurais, essas ideias
na tua cabeça são só o barulho do teu cérebro em ponto morto, e cabeça
ainda é só corpo, Jim. Guarde isso de cor. Cabeça é corpo. Jim,
se segure aqui no meu ombro pra esta notícia dura pros teus dez anos:
você é uma máquina um corpo um objeto, Jim, tanto quanto esse rutilante
Montclair, aquela mangueira enrolada ali ou aquele rastelo ali pras
pedrinhas da entrada ou santo Deus aquela aranha horrível e gorda se
esticando na teia mais ali bem pertinho do cabo do rastelo, está vendo?
Está vendo? 'Latrodectus mactans', Jim. Viúva. Pegue essa raquete aqui e
se mexa com graciosidade e consciência até ali e mate aquela viúva pra
mim, meu jovem Jim. Anda. Faz ela abrir o bico. Não faça prisioneiros.
Meu garoto. Um brinde a uma área desaranhificada da garagem comunitária.
Ah. Corpos por todo canto. Uma bola de tênis é o corpo definitivo,
garoto. A gente está chegando ao ponto crucial do que eu tenho que
tentar te comunicar antes da gente ir lá fora e começar a dar vazão a
esse teu potencial medonho. Jim, uma bola de tênis é o corpo definitivo.
Perfeitamente redonda. Distribuição equilibrada de massa. Mas vazia por
dentro, totalmente, um vácuo. Suscetível a caprichos, efeitos, a força –
usada bem ou mal. Ela vai refletir o teu caráter. Pegue ali uma
bolinha naquele cesto de roupa suja barato de plástico verde que eu
deixo ali perto dos maçaricos de propano e uso pra treinar um saque de
vez em quando, Jimbo. Maravilha. Agora olhe a bola. Sopese. Sinta o
peso. Aqui, deixa eu... rasgar assim pra... abrir. Ufa. Viu? Nada além
de um ar evacuado aqui dentro com o cheiro de algum inferno de látex.
Vazio. Puro potencial. Perceba que eu rasguei aqui na sutura. É um
corpo. Você vai aprender a tratar essa bola com consideração, filho,
alguém até pode dizer um tipo de amor, que ela vai se abrir para você,
fazer o que você pede, estar à tua doce disposição amorosa."
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 165
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