"Eu não estou 'negando' nada. Eu só estou pedindo pra você definir
'alcoólico'. Como é que você pode pedir pra eu me atribuir uma palavra
se você se recusa a definir o significado da palavra? Eu trabalho
defendendo vítimas de danos morais, com um sucesso razoável há dezesseis
anos, e a não ser por aquela ridícula suposta convulsão no jantar da
Ordem dos Advogados esse ano e aquele besta daquele juiz me banir do
tribunal quando ele estiver presidindo – e deixa só eu te dizer aqui
que eu sustento a minha afirmação de que o sujeito se masturba por
baixo da toga atrás da mesa com depoimentos 'detalhados' tanto de
colegas quanto de empregados da lavanderia dos tribunais – exceto por
uns poucos incidentes eu segurei a bebida e mantive a minha cabeça tão
erguida quanto a de muito advogado mais graúdo que eu. Pode acreditar. E
a senhora, minha jovem, tem quantos anos? Eu não estou 'em negação',
pra falar de alguma coisa empírica e objetiva. Eu estou com problemas no
pâncreas? Estou. Eu tenho dificuldade pra lembrar certos intervalos das
administrações de Kemp e Limbaugh? Nem contesto. Existe uma pequena
turbulência doméstica na questão da minha ingestão de álcool? Ora, sim,
com certeza. Por acaso senti uma certa formigação na minha
desintoxicação? Senti. Eu não tenho problemas em admitir sem rodeios as
coisas que eu consigo entender. For'm'i'g'ação, com 'm' e 'g', isso
mesmo. Mas que coisa é essa que você exige que eu admita? Será que é
'negação' postergar o momento da assinatura até que o vocabulário do
contrato esteja claro para todas as partes ali comprometidas? Isso
mesmo, isso mesmo, você não está entendendo o que eu estou dizendo aqui,
muito bem! E você não pretende seguir em frente sem pedir
esclarecimentos. Caso encerrado. Eu não posso negar o que eu não
entendo. Essa é a minha posição."
David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p.183
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