domingo, 8 de fevereiro de 2015

Eu não posso negar o que eu não entendo


"Eu não estou 'negando' nada. Eu só estou pedindo pra você definir 'alcoólico'. Como é que você pode pedir pra eu me atribuir uma palavra se você se recusa a definir o significado da palavra? Eu trabalho defendendo vítimas de danos morais, com um sucesso razoável há dezesseis anos, e a não ser por aquela ridícula suposta convulsão no jantar da Ordem dos Advogados esse ano e aquele besta daquele juiz me banir do tribunal quando ele estiver presidindo – e deixa só eu te dizer aqui que eu sustento a minha afirmação de que o sujeito se masturba por baixo da toga atrás da mesa com depoimentos 'detalhados' tanto de colegas quanto de empregados da lavanderia dos tribunais – exceto por uns poucos incidentes eu segurei a bebida e mantive a minha cabeça tão erguida quanto a de muito advogado mais graúdo que eu. Pode acreditar. E a senhora, minha jovem, tem quantos anos? Eu não estou 'em negação', pra falar de alguma coisa empírica e objetiva. Eu estou com problemas no pâncreas? Estou. Eu tenho dificuldade pra lembrar certos intervalos das administrações de Kemp e Limbaugh? Nem contesto. Existe uma pequena turbulência doméstica na questão da minha ingestão de álcool? Ora, sim, com certeza. Por acaso senti uma certa formigação na minha desintoxicação? Senti. Eu não tenho problemas em admitir sem rodeios as coisas que eu consigo entender. For'm'i'g'ação, com 'm' e 'g', isso mesmo. Mas que coisa é essa que você exige que eu admita? Será que é 'negação' postergar o momento da assinatura até que o vocabulário do contrato esteja claro para todas as partes ali comprometidas? Isso mesmo, isso mesmo, você não está entendendo o que eu estou dizendo aqui, muito bem! E você não pretende seguir em frente sem pedir esclarecimentos. Caso encerrado. Eu não posso negar o que eu não entendo. Essa é a minha posição."

David Foster Wallace (1962-2008). Graça infinita (1996). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p.183

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