"...no colégio, eu fazia desesperados esforços para ser 'bem-educada'
– 'normal' – 'bem-vista' – 'popular'. Quando fui eleita para um dos
cargos da classe, vice-presidente de minha turma sênior, renunciei em
pânico. Eu não seria capaz de explicar que a aparentemente cintilante,
boa garota e cidadã que meus colegas haviam eleito para aquele cargo não
era eu, mas uma experiência que eu não esperava que fosse bem-sucedida.
As personalidades que eu pude montar nunca duraram muito. Como os acolchoados descuidadamente costurados, eu periodicamente me desfazia. Havia vezes em que o colapso era breve, um surto de exaustão, náusea e insônia que me deixava atordoada, porém expurgada; noutras vezes, e tais vezes iam se tornando mais frequentes, o colapso era mais sério, envolvendo um período de comportamento maníaco, nervoso, colapso físico [...] Eu ficava enfraquecida demais para sair da cama, enfraquecida e abatida demais para ler, escrever ou pensar com coerência; meus intestinos agitavam-se e doíam, sofria de diarreia, apesar de quase não comer; todo o meu apetite para comer desaparecia; meu corpo queimava de febre e minha cabeça doía. Entretanto, havia um curioso alívio nesses colapsos, um prazer doloroso, amargo; pois me via compelida a pensar 'Agora você sabe quem é, agora você sabe'. Nítido, simples e belo como ossos brancos brilhando, limpos de toda carne. 'Agora você sabe'. Ainda assim, eu vivia aterrorizada de um dia cair completa e irrevogavelmente aos pedaços, sem forças, vontade, propósito e privada da fé para reafirmar-me outra vez."
Joyce Carol Oates (1938-). Levo você até lá (2002). São Paulo: Globo, 2004, p. 151-2
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