"E que dizer sobre Morini? Sua posição na cadeira de rodas expressava
um certo grau de abandono, como se a contemplação da chuva noturna e da
vizinhança adormecida satisfizesse a todas as suas expectativas. Às
vezes apoiava os dois braços na cadeira, outras vezes apoiava a cabeça
numa mão e o cotovelo no braço da cadeira. Suas pernas inermes, como as
pernas de um adolescente agônico, estavam enfiadas num jeans talvez
largo demais. Vestia uma camisa branca, com os botões do colarinho
desabotoados, e no pulso esquerdo trazia um relógio cuja pulseira era
larga para ele, mas não tão grande que pudesse cair. Não calçava
sapatos, mas chinelos, de tecido preto e reluzente como a noite. Toda a
roupa era cômoda, para andar em casa, e pela atitude de Morini quase se
podia afirmar que no dia seguinte não tinha intenção de ir trabalhar ou
que pensava chegar tarde ao trabalho.
A chuva, do outro lado da janela, tal como dizia em seu e-mail, caía
obliquamente e a lassidão de Morini, sua quietude e abandono tinham algo
de mortalmente camponês, submetido de corpo e alma à insônia, sem uma
queixa."
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 129
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 129
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