"Depois disse a ele o que na verdade queria dizer: que sabia que ele
não era homossexual, que ela sabia que ele estava preso e desejava
fugir, que ela sabia que o amor maltratado, mutilado, deixava sempre
aberta uma brecha para a esperança, que a esperança era seu projeto (ou o
contrário) e que sua materialização, sua objetivação consistia em
escapar do manicômio com ela e tomar o caminho da França. E ela, quem
é?, perguntou o poeta que tomava dezesseis comprimidos diários e escrevia
sobre as suas visões, apontando para Imma que, impávida, lia de pé um
dos seus livros, como se suas anáguas e saias fossem de concreto armado e
a impedissem de sentar. Ela vai nos ajudar, disse Lola. A verdade é que
o plano foi idealizado por ela. Entraremos na França pela montanha,
como peregrinos. Iremos a Saint-Jean-de-Luz e ali pegaremos o trem. O
trem nos levará pelos campos, que nesta época do ano são os mais
formosos do mundo, até Paris. Moraremos em albergues. Esse é o plano de
Imma. Trabalharemos ela e eu fazendo faxina ou cuidando de crianças nos
bairros ricos de Paris enquanto você escreve poesia. De noite você lerá
seus poemas e fará amor comigo. Esse é o plano de Imma, calculado em
todos os detalhes. Ao fim de três ou quatro meses ficarei grávida e essa
será a prova mais fidedigna de que você não é o fim de uma raça. Que
mais poderiam querer as famílias inimigas! Ainda trabalharei mais uns
meses, mas chegada a hora Imma trabalhará dobrado. Viveremos como
profetas mendigos ou como profetas crianças enquanto os olhos de Paris
estiverem focados em outros alvos, a moda, o cinema, os jogos de azar, a
literatura francesa e americana, a gastronomia, o produto interno
bruto, a exportação de armas, a manufatura de lotes maciços de
anestesia, tudo aquilo que no fim das contas será somente a cenografia
dos primeiros meses do nosso feto."
Roberto Bolaño (1953-2003). 2666. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 173-4
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