sexta-feira, 31 de outubro de 2014

terrível na pureza da sua loucura


"Ai, Minas de minha alma, alma de meu orgulho, orgulho de minha loucura, acendei uma luz no meu espírito, iluminai os desvãos do meu entendimento e mostrai-me onde se esconde esse vagabundo maravilhoso, esse meu irmão oligofrênico que no fundo vem a ser o melhor da minha razão de existir. Foi ele, esse iluminado de olhos cintilantes e cabelos desgrenhados que um dia saltou dentro de mim e gritou basta! num momento em que meu ser civilizado, bem penteado, bem vestido e ponderado dizia sim a uma injustiça. Foi ele quem amou a mulher e a colocou num pedestal e lhe ofertou uma flor. Foi ele quem sofreu quando jovem a emoção de um desencanto, e chorou quando menino a perda de um brinquedo, debatendo-se na camisa-de-força com que tolhiam o seu protesto. Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu, índio, santo, poeta, mendigo e débil mental, Viramundo! que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza da sua loucura."

Fernando Sabino (1923-2004).
O Grande Mentecapto (1979). Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 188

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