"Os ricos não precisam matar uns aos outros para comer. Botam os outros para trabalhar, como dizem. Não cometem o mal eles mesmos os ricos. Pagam. A gente faz tudo para agradá-los e todos ficam muito felizes. Enquanto suas mulheres são bonitas, as dos pobres são feias. É consequência dos séculos, toaletes à parte. Lindas teteias, bem nutridas, bem lavadas. Desde que dura, a vida só chegou a isso.
Quanto ao resto, por mais que se faça escorregamos, derrapamos, recaímos no álcool que conserva os vivos e os mortos, não chegamos a nada. Está mais do que provado. (...) Deveríamos entretanto ter compreendido o que acontecia. Vagas incessantes de seres inúteis vêm do fundo das eras morrer permanentemente diante de nós, e no entanto ficamos ali, a esperar coisas... Nem mesmo para pensar a morte a gente presta."
Louis-Ferdinand Céline (1894-1961). Viagem ao fim da noite (1932). São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 353
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