quarta-feira, 2 de julho de 2014

O poder da literatura



"A literatura não é um divertimento; tampouco é um saber especializado. Ela é um instrumento, precário e sutil, de interrogar a vida. Desloca nossas certezas, transformando-as em incertezas. Em vez de nos oferecer respostas, nos faz novas perguntas – desagradáveis e perturbadoras. Leia 'Crime e castigo', 'O castelo', o 'Livro do desassossego', ou 'A paixão segundo GH'. Se você ler para valer, se neles mergulhar como quem se lança em um abismo, e a literatura é um abismo, sairá da leitura transformado e atordoado, sairá um outro homem, ainda que no corpo do mesmo homem. 

A literatura é, antes de tudo, uma máquina de transformação. Se você não deseja se modificar; se não pretende correr riscos; se teme as perguntas que não comportam respostas – então, eu aconselho, afaste-se da literatura. A literatura é, sim, perigosa, porque tem o poder de nos desestabilizar e desassossegar. Se você aprecia sua vida banal e rotineira, fuja! Ao contrário, se você sente um grande incômodo com o mundo, se você se incomoda com o tédio das imagens e da repetição, se você deseja se modificar e modificar o pequeno mundo que o cerca, então leia. (...)

Não é preciso ser um especialista para ler uma ficção. Não é preciso ostentar títulos, apresentar currículos, ou credenciais. A literatura é para todos. Dizendo melhor: é para os corajosos ou, pelo menos, para aqueles que ainda valorizam a coragem. Se você deseja sair de si e experimentar novas possibilidades do existir, então leia. Se deseja correr riscos e perder-se um pouco no instável e no precário, leia. Se você acha a vida insuficiente e deseja o inesperado, leia. Este é o pequeno, mas também precioso, poder da literatura."

José Castello. O poder da literatura. Coluna: "A literatura na poltrona". O Globo - Cultura 

Imagem: "Novel reader" (1888), de Vincent Van Gogh (1853-1890)

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